sábado, 7 de agosto de 2021

Renascimento: revolução ou continuidade ?

 

Joahan Huizinga (figura) mostra que na literatura, artes e pintura a transição para era moderna se fez de forma gradual: “é-nos difícil imaginar que o espírito pudesse cultivar as antigas formas de pensamento e de expressão medievais e aspirar ao mesmo tempo à visão antiga da razão e da beleza”[1]. Petrarca na literatura, Nicolas Oresme na filosofia e van Eyck na pintura são exemplos de homens da idade média que já mostram claramente traços de modernidade em seus trabalhos. Oresme rompeu o equilíbrio entre razão e experiência insistindo nos limites da razão.[2] Decamerão de Boccaccio, A Divina Comédia de Dante são outros exemplos de obras de autores medievais um período que eles próprios consideravam de desprovido de valor cultural.[3] Peter Burke mostra que os livros do século XVI O Cortesão de Castiglio e O Príncipe de Maquiavel estão mais próximos da idade média do que parece[4]. João Salisbury, Dante e os poetas goliardos das universidades medievais[5] eram entusiastas da literatura grega como qualquer outro autor renascentista[6]. Dante tomou Virgílio como guia no inferno. Erasmo tinha Cícero como um santo[7] Para José Silveira da Costa: “deve ser definitivamente ser descartada a interpretação do Renascimento como antítese absoluta à Idade Média em geral e à Escolástica em particular. Apesar da euforia inicial com que foi celebrada o que parecia ser a verdadeira libertação das forças criativas do espírito humano, ainda estavam muito próximas as fontes que haviam preservado e garantido esse mesmo potencial”. Nesse sentido José Silveira da Costa analisa o Renascimento como um movimento de continuidade ao invés de ruptura com o passado: “mais do que contrapô-lo, convém considerar o Renascimento e a Idade Média com duas épocas distintas, mas ligadas entre si por relações profundas, principalmente nos aspectos religiosos e filosóficos”.[8] Frances Gies mostra que muitas das obras artísticas na pintura e literatura da Renascença encontram seus fundamentos em artistas do período medieval como Giotto, Dante, Petrarca, Boccaccio e Chaucer, que viveram antes de 1400[9]. Frances Yates mostra que o Renascimento busca a sabedoria dos antigos: “a história do homem não representa uma evolução da primitiva origem animal para a complexidade e progresso, sempre crescentes; o passado era sempre melhor que o presente e o progresso era a revivescência, o renascimento da Antiguidade. O humanista clássico recuperava a literatura e os monumentos da Antiguidade Clássica com os sentimentos de retornar ao ouro puro de uma civilização melhor e mais elevada que a sua”.[10]  Roland Mousnier na mesma linha argumenta que a França do século XII e a Itália do século XVI demonstraram interesse pela antiguidade clássica sendo as escolas catedrais de Reims, Chartres, Órleans de Paris centros do humanismo e Chartres o centro dos estudos latinos na Europa. O teólogo cristão João Salisbury ao lado de Hugo de São Vitor, Anselmo de Cantuária e Pedro Abelardo, foi um dos responsáveis pela transformação ocorrida no século XII com relação ao modo como se encarava o conhecimento e a filosofia ao fim da Idade Média.



[1] HUIZINGA, Johan. O declínio da idade média, Rio de Janeiro:Ulisseia, s/d, p.327

[2] JÚNIOR, Hilário Franco. A idade média nascimento do Ocidente, São Paulo:Brasiliense, 2004, p.122

[3] CORNELL, Tim; MATHEWS, John. Renascimento v.I ,Grandes Impérios e Civilizações, Lisboa:Ed. Del Prado, 1997, p. 41

[4] BURKE, Peter. O renascimento, Lisboa:Textos&Grafia, 1997, p.13

[5] ECO, Umberto. Idade média: bárbaros, cristãos e muçulmanos, v.I, Portugal:Dom Quixote, 2010, p.11-12; HASKINS, Charles. A ascenção das universidades, São Paulo: Danúbio, 2015, p.1417/1743

[6] BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental, Rio de Janeiro:Ed. Globo, 1959, p.391

[7] PERNOUD, Régine. Idade Média: o que não nos ensinaram, Rio de Janeiro:Agir, 1994, p. 20

[8] COSTA, José Silveira da. A escolástica cristã medieval, Rio de Janeiro, 1999, p.190

[9] GIES, Frances & Joseph. Cathedral, forge and waterwheel, New York: Harper Collins, 1994, p. 239

[10] YATES, Frances. Giordano Bruno e a tradição hermética, São Paulo:Cultrix, 1995, p. 13



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