quarta-feira, 4 de agosto de 2021

O terremoto de Lisboa e os autos de fé

 

Para o padre Gabriel Malagrida, que esteve em missão no Maranhão e Bahia, o terremoto de Lisboa de 1755 fora um sinal da indignação de Deus aos escândalos de desordens da Corte uma vez que nas cidades vizinhas, onde a ruína não foi tão grande, “fizeram e ainda fazem maravilhas de penitências, pés descalços, cruzes, açoites, jejuns a pão e água e outras mortificações infinitas”.[1] Segundo Malagrida em “O Juízo da verdadeira causa do terremoto que padeceu a corte de Lisboa” a causa do terremoto  “[…] não são Cometas; não são Estrelas; não são vapores, ou exalações, não são Fenômenos, não são contingenciais ou causas naturais; mas são unicamente os nossos intoleráveis pecados”. Como forma de apacar a ira de Deus, Voltaire em Cândido publicado em 1759 relata a realização de um ato da fé em Lisboa de modo a evitar a repetição do terremoto do 1755: “decidiu-se na Universidade de Coimbra que o espetáculo de algumas pessoas queimadas aos poucos na fogueira em uma grande cerimônia é o segredo infalível para impedir que a terra trema”.[2] Essa passagem, reproduzida por Fernando Cacciatore como histórica, na verdade é trecho de uma estória ficcional do conto de Voltaire, ao contrário, houve uma mobilização intensa para abrigo e assistência à população atingida.[3] Francisco Bethencourt mostra que enquanto a média de processos por ano em Lisboa eram de 37 no período 1675-1750, este número cai à metade e chega a 18 entre 1751 e 1767, ou seja, após o terremoto o número de processos diminuiu[4]. Gabriel Malagrida foi entregue ao tribunal do Santo Ofício de Lisboa acusado de heresia e posteriormente condenado ao garrote e fogueira em 1761, no Rossio, a praça principal de Lisboa.

[1] MURY, Paulo. Historia de Gabriel Malagrida. Lisboa, 1825 p.xxi http://etnolinguistica.wdfiles.com/local--files/biblio%3Amury-1875-malagrida/historiadegabrie00mury.pdf

[2] GARCIA, Fernando Cacciatore. Como escrever a história do Brasil, Porto Alegre: Sulina, 2014, p. 105

[3] MARQUES, José Oscar. Voltaire e um episódio da história de Portugal. Workshop Intelectuais e poder: elementos para a análise do discurso político, Universidade Estadual de Londrina, 10 de setembro de 2004, Mediações: Revista de Ciências Sociais, Londrina, v.9, n.2, p.37-52 https://www.unicamp.br/~jmarques/pesq/VoltaireHistPort.pdf

[4] BETHENCOURT, Francisco. História das inquisições, São Paulo: Cia das Letras, 2000, p. 315



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