Os métodos de ensino nas universidades medievais incluíam
a abordagem de perguntas e respostas de Pedro Abelardo no século XII em Sic et non que fomentava debates dos
textos. O método foi imitado na Concordância dos cânones discordantes (Concordia
discordantium canonum) de Graciano de 1140, professor da Universidade de
Bolonha, posteriormente recebeu o nome de Decreto de Graciano e que
junto com a Nova Lógica de Aristóteles será o fundamento do método
escolástico de Tomás de Aquino.[1] O Decreto
de Graciano não se limitou a mera compilação de textos jurídicos, mas
acrescentava um dictum, breve comentário pessoal, a qual resumia as
contradições constatadas de modo que no século XII constituiu a principal base
para o estudo do direito canônico nas universidades nascentes embora não tivesse
caráter vinculante, visto não se tratar de um documento oficial.[2] Segundo Pedro
Abelardo, professor da Universidade de Paris[3]: “os meus estudantes reclamavam razões
humanas e filosóficas; precisavam mais
de explicações inteligíveis do que de afirmações; diziam que é inútil falar se
não se exprime a inteligência da proposta e que ninguém pode acreditar em nada
sem primeiro compreender”. [4] Pedro de Poitiers da Universidade de Paris é ainda mais claro: “Embora haja a certeza, compete-nos duvidar
dos artigos da fé, e procurar, e discutir”.[5] Os
escritos de autores gregos minavam a fé, suscitando heresias e exigiam uma
resposta, que foi sendo formulada pelo desenvolvimento da escolástica.[6] Para
Pedro Abelardo em seu tratado Sic et Non:
“a primeira chave da sabedoria é chamada
interrogação, diligente e incessante [...] Pela dúvida somos levados à
investigação e pela investigação percebemos a verdade[7] [...] a interrogação assídua define-se como
a primeira chave da sabedoria e é duvidando que se chega à verdade”[8].
Segundo Pedro Abelardo “a fé é e não é
fortalecida pela razão” o que coloca em xeque a máxima de que “sem a fé não há entendimento”[9].
Enquanto Anselmo (1033-109) dizia “preciso
acreditar para compreender”, “Eu não
compreendo para crer, mas creio para poder compreender’ “credo ut intelligam”[10] revelando a precedência da fé sobre o conhecimento, Pedro Abelardo invertia
essa lógica “preciso compreender para
acreditar [..] pela dúvida chegamos a questionar, e questionando descobrimos a
verdade”.[11] Ruy Nunes mostra que o método do sic et
non já estava presente entre os gregos por exemplo no tratado De anima de Aristóteles.[12] O Sic et Non de Abelardo mostra uma
argumentação em que os conteúdos da fé não são dados diretamente pela
revelação, sempre sujeitas à subjetividade do intérprete humano. O saber
cristão deixa de assumir uma especificidade particular e passa a seguir uma
epistemologia geral, o que é reforçado com a incorporação dos trabalhos de
Aristóteles que ganham nova difusão a partir do século XII.[13] Abelardo reconhece uma limitação no conhecimento humano que não é capaz de
aprender as diferenças específicas das coisas sensíveis a não ser formular
hipóteses a partir de diferenças acidentais.[14] Iam
Mortimer observa que o impacto do racionalismo de Pedro Abelardo foi muito
grande, sendo seguido por inúmeros discípulos e pelas universidades: “por ter contribuído para tornar Aristóteles
o mais importante filósofo dos estudos dos intelectuais do século XII, por seu
desenvolvimento da teologia, por sua ética, por seu raciocínio crítico e pelo
impacto indireto nas leis morais de toda a cristandade por sua infuência em
Decretum [texto jurídico de Graciano], acho que Pedro Abelardo é o principal
aagente de transformações do século”.[15] As doutrinas racionalistas de Pedro Abelardo entraram em conflito com as
teses de Bernardo de Clairvaux tendo sido condenadas no Concilio de Sens em
1140. Para Dante, Aristóteles era “o
mestre dos que sabem”.[16]
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