Para Marcia e Robert Ascher os quipus registravam não apenas números, mas eram usados com instrumentos de memorização de informações. Um manuscrito do século XI revela que a “corte suprema” inca baseava suas sentenças em penas tal como registrado nos quipus. Guaman Oma de Ayala fornece uma lista completa das leis de Tupac Yupanqui que dificilmente a tradição oral poderia transmitir com tantos detalhes, o que sugere o uso de algum meio de gravação, possivelmente os quipus. Bernabé Cobo relata o caso do assassinato de um espanhol por um índio, e que foi apurado seis anos após o acontecido. Os índios de Córdoba puderam trazer detalhe do caso a partir de registros feitos em quipus. O padre Martin de Moura ficou surpreso em constatar que os quipu podiam contar tanto coisas do passado e que era possível obter “tudo o que de modo geral se obteria a partir de livros”[1] Gary Urton sugeriu que os quipus registravam um código binário tridimensional com a possibilidade de mais ideogramas do que a escrita cuneiforme suméria.[2] No século XVI Garcilaso de la Vega refere-se ao quipu camayocs, os que manipulavam os quipus como não apenas contabilistas mas historiadores.[3] Os poucos quipus pré colombianos foram em sua maior parte encontrados em túmulos, junto com vestimentas, objetos pessoais e instrumentos de trabalho do falecido. Para Erland Nordenkiod observa que se estes quipus guardassem informações de interesse da comunidade não teriam sido enterrados e por isso sugere que tais quipus funerários cumprissem alguma função ritual magica visto que o próprio quipu tinha sua codificação mantida em segredo e transmitida de geração em geração. Garcilaso de la Vega, historiador e autor de Historia General del Peru publicada em 1617 descreve que os peruanos liam no quipu o número de lutas, mensagens e ordens reais mas sua mensagem era sujeita à interpretação[4]. Os quipus em Cusco estavam também associados a cores de modo que o vermelho significava guerra, amarelo o ouro, branco a prata no entanto tal codificação podia variar para cada etnia de Tahuantinsuyo de modo que o quipucamayoc de Quito não podia ler os quipos de Lipes ou de Guayacondo[5]. As decisões dos soberanos ficavam assim codificadas pelos guardiões dos quipus, sendo sua interpretação reservadas aos sábios quipucamaycs / quipucamayos[6] ou amautas que segundo Frei Martin de Murua, missionário no Peru, davam aulas na Yachaywasi ou “Casas do Conhecimento”[7] (o termo yachay significa conhecimento)[8]. O termo amauta significa hábil, engenhoso, astucioso, ainda que existisse um termo para aquele que ensina yachapa, o que mostra que tais sábios não eram meramente professores[9]. Os membros das elites (ayllus) imperiais, recebiam treinamento de quatro anos nas escolas de Cusco que incluía além da leitura dos quipus, a língua quíchua, religião, história, agrimensura e astronomia da observação de solstícios e equinócios.[10] Bernabé Cobo registra que “não apenas aqueles que não haviam sido particularmente instruídos ignoravam tudo a respeito dos quipus como mesmo entre os quipucamayoc, também alguns não compreendiam os registros e as notas dos outros, cada um conhecendo perfeitamente e podendo explicar com facilidade apenas os seus”.[11] Entre esta elite Waldemar Soriano menciona o ayllu de Tarpuntae da estirpe de Urincusco que aprendia o manejo dos quipus e entre os quais o sapainca escolhia o sumo sacerdote (Huillac huma) do templo do Sol.[12]
[1] VALLA, Jean Claude. A civilização dos incas, Rio de Janeiro: Otto Pierre, 1978,
p. 158
[2] WRIGHT, Ronald. Uma
breve história do progresso, São Paulo:Record, 2007, p.173
[3] RIBAS, Ka W. A ciência
sagrada dos Incas, São Paulo:Madras,
2008, p. 44
[4] MELLO, José Barboza.
Síntese histórica do livro. Rio de Janeiro:Ed. Leitura, 1972, p. 25
[5] SORIANO, Waldemar. Los
incas: economia sociedade y estado em la era del Tahuantinsuyo, Peru:Amaru
Editores, 1997, p. 422
[6] BAUDIN, Louis. A vida
quotidiana dos últimos incas, Lisboa:Ed. Livros do Brasil, p. 107; SORIANO,
Waldemar. Los incas: economia sociedade y estado em la era del Tahuantinsuyo,
Peru:Amaru Editores, 1997, p. 161
[7] BAUDIN, Louis. El
império socialista de los incas, Santiago Chile:Ediciones Rodas, 1973, p.142
[8] RIBAS, Ka W. A ciência
sagrada dos Incas, São Paulo:Madras,
2008, p. 38
[9] BAUDIN, Louis. A vida
quotidiana dos últimos incas, Lisboa:Ed. Livros do Brasil, p. 92
[10] BAUDIN, Louis. A vida
quotidiana dos últimos incas, Lisboa:Ed. Livros do Brasil, p. 92
[11] VALLA, Jean Claude. A civilização dos incas, Rio de Janeiro: Otto Pierre, 1978,
p. 159
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