quinta-feira, 5 de agosto de 2021

O papel do português na inovação técnica colonial

 

Para Sérgio Buarque de Holanda a obra ultramarina portuguesa é “eminentemente tradicionalista” sem quaisquer resquício de inovações.[1] Sérgio Buarque de Holanda contrapôs o estilo realista, pragmático, aventureiro, sóbrio e imediatista do português como pouco afeito à abstrações, à metáfora e ao experimentalismo.[2] Em Raízes do Brasil, Sérgio Buarque de Holanda destaca o caráter aventureiro do colonizador português, ou seja o ideal de “colher o fruto sem plantar a árvore [...] o que o português vinha buscar era, sem dúvida, a riqueza, mas riqueza que custa ousadia, não riqueza que custa trabalho [...] quando lamentamos que a lavoura, no Brasil tenha permanecido tão longamente aferrada a concepções rotineiras, sem progressos técnicos que elevassem o nível da produção, é preciso não esquecer semelhantes fatores”.[3] Robert Wegner observa que a partir da segunda edição de Raízes do Brasil, publicada em 1948, e em Caminhos e fronteiras, publicado em 1957, Sérgio Buarque de Holanda já não se limita à crítica ao colonizador português e reconhece que parte do atraso no uso do arado de ferro empregado na Europa se deve às características do solo encontrado no Brasil e passa a dar maior atenção às técnicas rurais empregadas, com o uso do arado de madeira, da enxada e da cavadeira – mais próximas das práticas de cultivo indígenas: “O autor continuou atribuindo esse fato às características do colonizador, especialmente à plasticidade do português, que se adaptaria aos povos dominados. Contudo, o autor passou a levar em consideração as características do solo na zona tropical e como, de fato, o arado não era adequado a ele, tornando compreensível a utilização de técnicas mais rudimentares”. Sérgio Buarque de Holanda mostra que com relação as técnicas de construção naval indígenas, os primeiros colonos portugueses pouco acrescentou à arte de navegação interior tanto no que diz respeito à fabricação das embarcações usadas nos rios como nas técnicas de mareagem, que sobreviveram por muito tempo, mesmo no século XVIII os remeiros punham-se de pé nas canoas ao estilo dos indígenas.[4] Sérgio Buarque confirma, contudo, que o uso do arado no Brasil colonial não foi inteiramente desconhecido embora reconheça que o único instrumento agrícola generalizado era a cavadeira de pau ou chuço, e quando muito a enxada e a foice.[5] Sérgio Buarque de Holanda observa que quanto ao transporte por cavalos e ao não uso de ferraduras o colonizador europeu retrocedeu nos séculos XVI e XVII a condições que a Europa medieval já havia superado desde o século XI: “idêntica involução ocorre aliás em outros setores, especialmente na lavoura. Nada faz crer com efeito que certos regimes determinados pela conveniência de se poupar o solo cultivável se tenham introduzido entre nós, havendo ele aqui de sobejo. Nem é mister recorrer á influência indígena para explicar o abandono aparentemente total de práticas tais como a rotação dos cultivos ou o alqueive por homens que as devem conhecer na pátria de origem”.[6]



[1] HOLANDA, Sérgio Buarque. Visões do Paraíso, São Paulo;Brasiliense, 1994, p. 316

[2] HOLANDA, Sérgio Buarque. Visões do Paraíso, São Paulo;Brasiliense, 1994, p. 106, 146, 308

[3] WEGNER, Robert. (2014), “As Reflexões Históricas de Sérgio Buarque de Holanda sobre Agricultura (1936-1957)”. Sinais Sociais, vol. 9, pp. 107-135.

[4] HOLANDA, Sérgio Buarque de. Monções. São Paulo:Brasiliense, 2000, p. 28

[5] HOLANDA, Sérgio Buarque. Caminhos e Fronteiras, Rio de Janeiro:José Olimpio, 1957, p.245

[6] HOLANDA, Sérgio Buarque de. Monções. São Paulo:Brasiliense, 2000, p. 169



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