quarta-feira, 4 de agosto de 2021

Feudalismo em Portugal

 

Oliveira Martins observa que na península ibérica se desenvolveu duas correntes: uma forma feudal patriarcal e uma forma democrática municipal, comunal: “ao feudalismo peninsular faltam decerto caracteres jurídicos do tipo histórico: mas é fora de dúvida que em Espanha, na Idade Média, houve ao lado de um sistema comunal, um sistema feudal, se a estas expressões dermos um valor político e não particularmente jurídico”.[1] Oliveira Marques mostra que devido a pequena área de Portugal não foi possível desenvolver totalmente uma estrutura feudal com autonomia dos senhores feudais, de modo que em todos os senhorios o rei detinha a última palavra[2]. A Espanha foi conquistada pelos muçulmanos um século antes de Carlos Magno formar o feudalismo europeu, o que levou a inserção tardia de Portugal e Espanha ao movimento europeu. Em Portugal a reconquista do sul do Algarve em 1249 foi muito mais rápida do que o caso espanhol e levou a um reforço do poder real como os casa de Bragança[3. Lemos Brito destaca que se no feudalismo a exploração do colono agrícola em regime de servidão era severa, em Portugal isso seria ainda mais rigoroso por conta do domínio árabe e com isso levou a uma inércia e hostilidade do português à agricultura em tal período medieval. Fortunato de Almeida em História de Portugal escreve “a população portuguesa não era diligente nos trabalhos agrícolas”. Nicolau Clenardo destaca: “Se a agricultura alguma vez foi desprezada é de certo nos lugares que habito [Portugal]. O que em outra parte se reputa o nervo principal das nações, aqui olha-se como insignificante ou inútil”.[4] Para o português João Tierno: “No período inicial de nossa existência como nação, vimo-nos forçados a uma luta de mais de dois séculos para mantermos uma autonomia artificial, dificilmente explicável, e mal podíamos olhar para os interesses da agricultura. Consolidada a independência, apertados como estávamos entre o mar e um país forte e despeitado, estendidos ao comprido sobre uma estreita faixa de território quase todo árido e improdutivo, fomos fatalmente impelidos para esse oceano lendário e misterioso”. Alexandre Herculano conclui pela inexistência de feudalismo em Portugal fundando-se na não obrigatoriedade  do serviço militar nobre, , na não hereditariedade dos feudos, na utilização excepcional do termo “feudo” e na permanência de laços de vassalagem geral, o que caracterizaria um “regime senhorial” em torno da figura do rei, mas não propriamente um “regime feudal”.[5] Esta perspectiva destaca o papel do rei como elemento garantidor do equilíbrio social, o que segundo John Gilissen remete a uma historiografia fascista que predominou nos anos 1930 e 1940. Nos anos 1960 e 1970, ao contrário, ganhou destaque historiadores e teóricos marxistas como por exemplo Álvaro Cunhal em que a perspectiva de um enquadramento como sociedade feudal foi retomada, como por exemplo nas obras de Oliveira Marques em História de Portugal e Armando de Castro autor de Evolução Econômica de Portugal  dos séculos XII a XV em 10 volumes. José Mattoso (figura) em seu livro “Identificação de um país” de 1985 retoma o debate em que defende uma mescla de conceitos em que no plano das relações dos grupos sociais predominou a forma senhorial, ao passo que a forma com que se estruturam os grupos dominantes segue o modelo de regime feudal tal como encontrado em relação aos modelos centro europeus.



[1] MARTINS, Oliveira. História da civilização ibérica, Lisboa: Guimarães Editores, 1994, p. 180

[2] MARQUES, Oliveira. Brevíssima história de Portugal, Rio de Janeiro: Tinta da China, 2016, p. 38

[3] ANDERSON, Perry. Passagens da antiguidade ao feudalismo, Porto: Afrontamento, 1982, p. 191

[4] BRITO, José Gabriel Lemos. Pontos de partida para a história econômica, Brasiliana v.155, São Paulo: Cia Editora Nacional, 1980, p.5

[5] GILISSEN, John. Introdução histórica ao direito, Lisboa: fundação Calouste Gulbenkian, 1986, p.191



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