Oliveira Martins observa que na península ibérica se desenvolveu
duas correntes: uma forma feudal patriarcal e uma forma democrática municipal,
comunal: “ao feudalismo peninsular faltam decerto caracteres jurídicos do
tipo histórico: mas é fora de dúvida que em Espanha, na Idade Média, houve ao
lado de um sistema comunal, um sistema feudal, se a estas expressões dermos um
valor político e não particularmente jurídico”.[1] Oliveira
Marques mostra que devido a pequena área de Portugal não foi possível desenvolver
totalmente uma estrutura feudal com autonomia dos senhores feudais, de modo que
em todos os senhorios o rei detinha a última palavra[2]. A
Espanha foi conquistada pelos muçulmanos um século antes de Carlos Magno formar
o feudalismo europeu, o que levou a inserção tardia de Portugal e Espanha ao
movimento europeu. Em Portugal a reconquista do sul do Algarve em 1249 foi
muito mais rápida do que o caso espanhol e levou a um reforço do poder real
como os casa de Bragança[3. Lemos
Brito destaca que se no feudalismo a exploração do colono agrícola em regime de
servidão era severa, em Portugal isso seria ainda mais rigoroso por conta do
domínio árabe e com isso levou a uma inércia e hostilidade do português à
agricultura em tal período medieval. Fortunato de Almeida em História de
Portugal escreve “a população portuguesa não era diligente nos trabalhos
agrícolas”. Nicolau Clenardo destaca: “Se a agricultura alguma vez foi
desprezada é de certo nos lugares que habito [Portugal]. O que em outra parte
se reputa o nervo principal das nações, aqui olha-se como insignificante ou
inútil”.[4] Para o português João Tierno: “No período inicial de nossa existência como
nação, vimo-nos forçados a uma luta de mais de dois séculos para mantermos uma
autonomia artificial, dificilmente explicável, e mal podíamos olhar para os
interesses da agricultura. Consolidada a independência, apertados como
estávamos entre o mar e um país forte e despeitado, estendidos ao comprido
sobre uma estreita faixa de território quase todo árido e improdutivo, fomos
fatalmente impelidos para esse oceano lendário e misterioso”. Alexandre
Herculano conclui pela inexistência de feudalismo em Portugal fundando-se na
não obrigatoriedade do serviço militar
nobre, , na não hereditariedade dos feudos, na utilização excepcional do termo “feudo”
e na permanência de laços de vassalagem geral, o que caracterizaria um “regime senhorial”
em torno da figura do rei, mas não propriamente um “regime feudal”.[5] Esta
perspectiva destaca o papel do rei como elemento garantidor do equilíbrio
social, o que segundo John Gilissen remete a uma historiografia fascista que predominou
nos anos 1930 e 1940. Nos anos 1960 e 1970, ao contrário, ganhou destaque historiadores
e teóricos marxistas como por exemplo Álvaro Cunhal em que a perspectiva de um enquadramento
como sociedade feudal foi retomada, como por exemplo nas obras de Oliveira
Marques em História de Portugal e Armando de Castro autor de Evolução
Econômica de Portugal dos séculos XII a
XV em 10 volumes. José Mattoso (figura) em seu livro “Identificação de um país”
de 1985 retoma o debate em que defende uma mescla de conceitos em que no plano
das relações dos grupos sociais predominou a forma senhorial, ao passo que a forma
com que se estruturam os grupos dominantes segue o modelo de regime feudal tal
como encontrado em relação aos modelos centro europeus.
[1] MARTINS, Oliveira. História
da civilização ibérica, Lisboa: Guimarães Editores, 1994, p. 180
[2] MARQUES, Oliveira.
Brevíssima história de Portugal, Rio de Janeiro: Tinta da China, 2016, p. 38
[3] ANDERSON, Perry.
Passagens da antiguidade ao feudalismo, Porto: Afrontamento, 1982, p. 191
[4] BRITO, José Gabriel
Lemos. Pontos de partida para a história econômica, Brasiliana v.155, São
Paulo: Cia Editora Nacional, 1980, p.5
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