segunda-feira, 9 de agosto de 2021

O estoicismo e o éter

 

O estoicismo é apontado por Fustel Coulanges como emancipador do indivíduo, libertando-o das regras rigorosas da legião municipal baseada no culto dos ancestrais: “ideias mais elevadas conclamavam os homens formar sociedades mais amplas”.[1] Para os estoicos dentro de uma concepção animista e teleológica as almas individuais são uma parte da alma universal do mundo de modo que todas as coisas tem uma relação umas com as outras, onde cada uma deve ocupar o seu lugar natural para cumprir plenamente sua finalidade.[2] Se o homem desempenha a finalidade a qual foi criado, ele se integra no todo do cosmos e ganha a eternidade junto à divindade que é imanente ao universo. O imperador estoico Marco Aurélio na sua obra Meditações destaca os traços de uma individualidade com origem nos gregos.[3] Marco Aurélio (figura) destaca a unidade como fundamento de todo o bem a ser perseguido, de modo que tudo está interligado: “Se por acaso viste alguma vez uma mão, ou um pé ou uma cabeça cortados permanecerem separados do resto do corpo; assim é a imagem daquele que se nega, na medida em que  está em seu poder,  a aceitar o que acontece ou se desliga da unidade ou realiza coisas contrárias à sociedade”.[4] Segundo Epiteto: “A inteligência, a ciência, a razão reta: eis aqui, absolutamente a essência do bem”.[5] A máxima estoica era a de viver em harmonia com a natureza. Julio Capitolino descreve o período em que Marco Aurélio foi imperador como uma época em que “Todos os homens são irmãos, cada um por si mesmo é cidadão no mundo [;..] Durante seu reinado o povo gozou de tanta liberdade como nos tempos da República, mantinha, em todos os assuntos, uma extraordinária moderação para afastar os homens do mal e animá-los na prática do bem, premiando-os abundantemente tratando-os com indulgência, dentro da severidade das leis”. [6]  Apesar disso Mario Giordani lembra que sob o reinado de Marco Aurélio não foi revogada as leis que perseguiam os cristãos mantendo-a “talvez com uma dose maior de inflexibilidade desdenhosa”.[7] Os estoicos divinizaram a natureza na medida em que defendiam a presença de um espirito – pneuma, a “alma do mundo”, que permearia o mundo natural, e que penetraria todos os corpos e preencheria todos os espaços, como força dinamizadora do cosmos[8], antecipando o conceito de “éter” que seria retomado no século XVII com Descartes, Boyle e Newton ou o “fluido magnético” de Mesmer condutor de uma “simpatia universal” entre os corpos.[9]

[1] COULANGES, Fustel. A cidade antiga, São Paulo: Hemus, 1976, p.292

[2] HOOYKAAS, R.. A religião e o desenvolvimento da ciência moderna. Brasília:UNB, 1988, p.24

[3] HALL, Edith. The ancient greeks, London:Vintage, 2015, p.8

[4] MONDOLFO, Rodolfo. O pensamento antigo: desde Aristóteles até os neoplatônicos, São Paulo: Mestre Jou, 1973, p. 176

[5] MONDOLFO, Rodolfo. O pensamento antigo: desde Aristóteles até os neoplatônicos, São Paulo: Mestre Jou, 1973, p. 170

[6] GIORDANI, Mario Curtis. História de Roma, Rio de Janeiro:Vozes, 1981, p. 70

[7] GIORDANI, Mario Curtis. História de Roma, Rio de Janeiro:Vozes, 1981, p. 338

[8] ABRANTES, Paulo. Imagens de natureza, imagens de ciência, Campinas:Papirus, 1998, p.46

[9] ABRANTES, Paulo. Imagens de natureza, imagens de ciência, Campinas:Papirus, 1998, p.50, 126



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