O desembargador Brochado se referia aos médicos que “curavam por ignorância e matavam por experiência”[1]. O bispo do Grão Pará conclui: “melhor tratar-se uma pessoa com um tapuia do sertão, que observa mais desembaraçado instinto, de que com um médico desses vindo de Lisboa”. Hernani Monteiro relata o uso de chás de percevejos e de excremento de rato para os desarranjos intestinais. Para os cálculos biliares prescrevia-se moela de ema devido ao fato deste animal ter a especial virtude de quebrar pedras. Sílvio Romero em Contos Populares relata o uso de excremento de cachorro conhecido como “jasmim do campo” para cura da varíola, enquanto que Robert Southey em sua História do Brasil registra o uso de bosta de cavalo pulverizada para o tratamento de bexigas. Os excrementos de animais usados na cicatrização da pele eram conhecidos como “flores brancas”. Assim como a urina eram submetidos a preparações antes da aplicação no corpo.[2] Segundo relatos dos bandeirantes era comum o uso da mistura de urina e fumo como cicatrizante. Uma doença endêmica no Brasil do século XVII, o “mal do cu” ou maculo, em espanhol, que provocava diarreia devido ao afrouxamento do esfíncter externo do ânus, eliminação de muco fétido, ulcerações e prolapso do reto era tratada com um medicamento inserido pelo ânus à base de pimenta e pólvora, pois no imaginário popular se acreditava que quanto mais violenta fosse uma droga maior o seu poder curativo.[3] Mario de Andrade (figura) em “A medicina dos excrementos” de seu livro “Namoros com a medicina” de 1937 em que relata a utilização de diversos medicamentos usados no Brasil à base de excrementos.[4] Para curar picada de cobra era preciso beber do próprio esterco diluído em água.[5] Mesmo diante de uma vasta biodiversidade e flora medicinal Sigaud no século XIX comenta: “é difícil acreditar que eles estão tanto tempo nas mãos de pessoas desqualificadas, em meio a uma abundância de riquezas vegetais”.[6] Algumas das técnicas de tinturaria no Brasil colonial incluíam o uso do pau brasil e o anil para tingimento e de urina para fixar a cor.[7] Mario de Andrade destaca a “realidade fecundante do adubo” e o “uso da refinação do açúcar com bosta de vaca” como fatores que levariam a valorização de tais excrementos na medicina popular, numa leitura alternativa ao avassalador discurso desenvolvimentista sanitarista. Mario de Andrade se coloca em contraposição ao movimento civilizatório higienista.[8]
[1] EDMUNDO, Luiz. O Rio de
Janeiro no tempo dos vice reis, Rio de Janeiro:Conquista, 1956, v.3, p.550
[2] PRIORE, Mary del.
Histórias da gente brasileira, v.1 Colônia.Rio de Janeiro:Leya, 2016, p. 293
[3] AQUINO, Fernando,
Gilberto, HIran. Sociedade brasileira: uma história, São Paulo: Record, 2000,
p.210
[4] NOVAIS, Fernando.
História da vida privada no Brasil , v.2, São Paulo:Companhia das Letras, 2019.
Edição do Kindle, p.63
[5] PRIORE, Mary del.
Histórias da gente brasileira, v.1 Colônia.Rio de Janeiro:Leya, 2016, p. 378
[6] EDMUNDO, Luiz. O Rio de
Janeiro no tempo dos vice reis, Rio de Janeiro:Conquista, 1956, v.3, p.576, 644
[7] NOVAIS, Fernando. História da vida privada no Brasil , v.1, São
Paulo:Companhia das Letras, 2018. Edição do Kindle, p.107
[8] LIMA, Nísia Trindade;
HOCKMAN, Gilberto (2000). Pouca saúde, muita saúva, os males do Brasil são...
Discurso médico-sanitário e interpretação do país. Ciência & saúde
coletiva, v. 5, n. 2, p. 313-332. http://www.scielo.br/pdf/csc/v5n2/7098. FERREIRA,
Os males do Brasil são: a doença como elemento distintivo da condição de ser
brasileiro. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, 2014 https://www.researchgate.net/publication/275694642_Os_males_do_Brasil_sao_a_doenca_como_elemento_distintivo_da_condicao_de_ser_brasileiro
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