segunda-feira, 9 de agosto de 2021

As fratrias e a cidade estado grega

 

Segundo Coulanges: “Antiga crença ordenava ao homem que honrasse os antepassados, o culto dos antepassados agrupou a família ao redor do altar. Daí a primeira religião, as primeiras orações, a primeira concepção do dever e a primeira moral; daí também a instituição da propriedade, a fixação da ordem de sucessão e, enfim, o do direito privado e todos os estatutos da organização doméstica. Depois essa crença progrediu e, ao mesmo tempo, ampliou-se a associação. Os homens, à medida que sentem que há para eles divindades comuns, vão se associando em grupos cada vez maiores. As mesmas regras, descobertas e aplicadas na família, aplicam-se sucessivamente à fratria, à tribo, à cidade”.[1]  No culto dos antepassados, cada gens, cada irmandade (fratria), cada família tinha seus próprios deuses e rituais.[2] Todo cidadão de Atenas clássica pertencia a uma fratria para o culto comum tendo desaparecido gradualmente depois do século IV a.c.[3] Com a ampliação dessas organizações temos a formação das primeiras cidades-Estado da Grécia Antiga e o fim das comunidades gentílicas. A cidade, polis em grego[4], (do qual deriva política) significava na Grécia Clássica um Estado autônomo, que governa a si mesmo. Na Política Aristóteles explica eu “quando várias aldeias se unem numa única comunidade, grande o bastante para ser autosuficiente (ou para estar perto disso) configura-se a cidade (polis)[5], ou Estado que nasce para assegurar o viver e que , depois de formada, é capaz de assegurar o viver bem”. Não há qualquer anacronismo em usar o termo “Estado grego”, que é explicitado pelos historiadores da Grécia clássica como Moses Finlay[6]. Dalmo Dalari observa: “Embora seja comum a referência ao Estado Grego, na verdade nãp se tem notícia da existência de um Estado único, englobando toda a civilização helênica. Não obstante, pode-se falar genericamente no Estado Grego pela verificação de certas características fundamentas, comuns a todos os Estados que floresceram entre os povos helênicos [entre as quais a sociedade política]”.[7] Indro Montanelli argumenta que a invasão dos dórios, com seu sentimento de superioridade racial, impediu que se formasse um sentimento de unidade entre os gregos e assim se formasse uma nação política grega[8]. Donald Kagan, contudo, observa ainda assim há traços em comum entre as centenas de polis que possibilitam, por exemplo, que se reúnam nos jogos pan helênicos, netro dos quais os jogos olímpicos de 776 a.c.[9] Moses Finlay observa que o termo cidade Estado induz, contudo, uma visão equivocada de que a cidade governa o campo, na verdade Atenas, por exemplo era uma cidade de apenas 2300 km2. Aristóteles nas Leis estima que a polis deve ter 5040 homens o equivalente a sete fatorial[10] Donald Kagan (figura ) observa que as maiores polis tinham algo em torno de 40 a 50 mil homens sendo que a grande maioria trabalhava no campo[11]. Na maior parte as cidades estado gregas eram dominadas pelo campo.[12] O poder das cidades Estados era localizado. Ptolomeu e Seleuco eram reis mas não foram reis de algo como assim se denominavam os reis no Egito, Babilônia ou Pérsia. Arnold Toynbee mostra  que a instituição da cidade Estado não é em si uma característica peculiar da sociedade helênica pois haviam exemplos de cidades estados cananeias como as cidades fenícias de Sidon e Tiro no litoral sírio e Cádiz em Cartago no norte da África e Cadiz (Gades) no sul da Espanha assim como temos o exemplo da transformação do cantão de Judá na cidade Estado de Jerusalém pelo rei Josias em VII a.c. [13]



[1] COULANGES, Fustel. A cidade antiga, São Paulo: Hemus, 1976, p.105

[2] ROSTOVTZEFF, M. História da Grécia. Rio de Janeiro:Zahar, 1983, p.113

[3] JONES, Lloyd Jones. O mundo grego, Rio de Janeiro: Zahar, 1965, p. 33

[4] FUNARI, Pedro Paulo. Grécia e Roma, São Paulo: Contexto, 2004, p.25

[5] http://www.perseus.tufts.edu/hopper/text?doc=Perseus%3Atext%3A1999.01.0057%3Abook%3D1%3Asection%3D1252b

[6] FINLEY, Moses. Los griegos de la antiguedad. Barcelona: Editorail Labor, 1966, p. 55

[7] DALLARI, Dalmo. Elementos de teoria geral do Estado, Rio de Janeiro: Saraiva, 2007, p. 63

[8] MONTANELLI, Indro. História dos gregos, São Paulo:Ibrasa,1962, p. 38

[9] História da Grécia Antiga #4 com Donald Kagan, de Yale, 40:00 https://www.youtube.com/watch?v=3D302A0dpfM

[10] https://en.wikipedia.org/wiki/5040_(number)

[11] História da Grécia Antiga #4 com Donald Kagan, de Yale, 58:00

[12] FINLEY, Moses. Los griegos de la antiguedad. Barcelona: Editorail Labor, 1966, p. 55

[13] TOYNBEE, Arnold. Helenismo: história de uma civilização, Rio de Janeiro: Zahar, 1963, p. 20





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