quinta-feira, 15 de julho de 2021

Reino africano protestou com a Inglaterra contra o fim do tráfico negreiro

 

Jacob Gorender mostra que o Estado de Daomé na área do atual Benim (o grande império de Benim da época colonial fica na atual Nigéria) surgiu por conta do desenvolvimento do comércio negreiro no século XVII fundado no mopólio estatal.[1] A região litorânea em torno de Daomé era conhecida pelos europeus, o nome de Costa dos Escravos. Foi do Porto de Uidá, o mais importante porto negreiro da África Ocidental, que saiu mais de um milhão de escravos desde o século XVII. Para garantir a obediência dos negros escravizados durante a viagem os traficantes difundiam histórias de canibalismo contra os rebeldes nos tumbeiros. Na edição de 4 de janeiro de 1839 o jornal abolicionista The Liberator se refere a um caso de canibalismo que teria ocorrido num navio negreiro de 250 escravos.[2]  A partir de aliança políticas e comerciais e militar com as autoridades nativas africanas os portugueses trocavam manufaturados europeus ou tabaco e aguardente vindos da América por cativos capturados em constantes guerras tribais[3]. Na medida em que a comércio intenso de escravos se desenvolve, intensifica-se cada vez mais as guerras intestinas na África para dar conta da demanda por novos escravos.[4] O escravismo doméstico tradicional cede lugar para as formas mercantis de escravidão.[5] A conquista de Uidá, Ajudá ou Ouidah porto pelo reino escravagista e expansionista do Daomé, em 1727, viria a confirmar sua posição inicial de principal porto do tráfico negreiro na região, situação que manteve, até meados do século XIX.[6] A feitoria da Ajuda foi fundada pelos portugueses em 1721. Em 1724 Adaja, reu de Daomé, conquistou o reino de Aladá e se consolidou como um dos principais fornecedores de cativos na costa da África. [7] A fortaleza de São João Batista  de Ajudá construída pelos portugueses hoje abriga o Museu de História da Ajudá. No Museu Nacional do Rio de Janeiro havia um zinkpo, também chamado trono real de Daomé, dado de presente por embaixadores do rei Adandozan ao príncipe D. João em 1810 o que mostra as boas relações dos dois reinos.[8] Um grande traficante de escravos em Daomé foi Francisco Felix de Souza, o Chachá, nascido na Bahia, a figura central do tráfico transatlântico de escravo. [9] Pierre Verger em seu livro “Os escravos” relata o caso do traficante de escravos Joaquim d’Almeida em Daomé que havia sido no passado escravo na Bahia quando então tinha o nome de Gbego Sokpa. Outro traficante de escravos que também havia sido escravo é João de Oliveira que fundou dois entrepostos na Costa dos Escravos em Porto Novo no Benim e outro em Lagos. O negro brasileiro Antonio Vaz Coelho no século XVIII também se tornou traficante de escravos em Porto Novo. José Francisco dos Santos, o Zé Alfaiate era escravo na Bahia e tornou-se um dos últimos traficantes do porto de Ajuda no Daomé. [10] A comunidade dos agudás reunia os ex escravos que retornaram do Brasil.[11] Na Confederação ashanti o tráfico de escravos era tão central para a economia que o rei Zey enviou em 1817 uma carta ao rei Jorge III da Inglaterra pedindo que os ingleses reconsiderassem sua decisão de extinguir o tráfico negreiro adotada em 1807.[12]

[1] FLORENTINO, Manolo. Em costas negras, São Paulo: UNESP, 2014, p. 76

[2] NARLOCH, Leandro. Escravos. Rio de Janeiro: Estação Brasil, 2017. p.101; Rediker, Marcus. 2007. The Slave Ship: A Human History. London: Viking

[3] FLORENTINO, Manolo. Em costas negras, São Paulo: UNESP, 2014, p. 87

[4] FLORENTINO, Manolo. Em costas negras, São Paulo: UNESP, 2014, p. 90, 100

[5] FLORENTINO, Manolo. Em costas negras, São Paulo: UNESP, 2014, p. 102

[6] SILVA. Marinelia Sousa da. Movimentos na História: Notas sobre a Historiografia da Costa dos Escravos, Sankofa. Revista de História da África e de Estudos da Diáspora Africana Ano III, Nº 5, julho/2010

[7] GOMES, Laurentino. Escravidão v. II, Rio de Janeiro:GloboLivros, 2021, p. 9

[8] Blog: Ensinar História - Joelza Ester Domingues https://ensinarhistoriajoelza.com.br/francisco-felix-de-souza-traficante-de-escravos/

[9] NARLOCH, Leandro. Escravos. Rio de Janeiro: Estação Brasil, 2017. p.89; LAW, Robin. A carreira de Francisco Félix de Souza na África Ocidental (1800-1849). Topoi 2001, vol.2, n.2, pp.9-40. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2237-101X2001000100009&lng=en&nrm=iso

[10] NARLOCH, Leandro. Escravos. Rio de Janeiro: Estação Brasil, 2017. p.81

[11] NARLOCH, Leandro. Escravos. Rio de Janeiro: Estação Brasil, 2017. p.18, 77

[12] GOMES, Laurentino. Escravidão v. II, Rio de Janeiro:GloboLivros, 2021, p. 133




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