Na antiguidade de tradição oral as possibilidades de
difusão das técnicas eram maiores porque a tolerância ao erro era maior o que
fazia os sacerdotes a confiarem a fundamentar seus conhecimentos para poder
transmiti-los, ao passo que com a escrita, esta reprodução era mais mecânica,
se limitava a copiar um texto sagrado. O mesmo ocorreu na Babilônia onde muitas
tabuinhas lançam maldições aos copistas que modificarem qualquer parte dos
textos antigos tal como se reflete no Apocalipse 22:19 “E, se alguém tirar quaisquer palavras do livro desta profecia, Deus
tirará a sua parte do livro da vida, e da cidade santa, e das coisas que estão
escritas neste livro”.[1] Este
ceticismo com respeito a se transmitir a ciência pela forma escrita é
refletida no Fedro de Platão em que o rei Tamuz se queixa com Thoth inventor da
escrita de que sua invenção levaria ao desprezo da memória e do papel dos
mestres: “Esta tua descoberta [a escrita]
gerará esquecimento nas almas dos aprendizes, porque eles não utilizarão a sua
memória, confiarão em caracteres escritos exteriores e não se lembrarão de si
mesmos. O específico que descobriste não é um auxiliar da memória, mas sim da
reminiscência, e tu dás aos teus discípulos não a verdade, mas apenas a
aparência de verdade; eles serão ouvidores de muitas coisas e não terão
aprendido nada; porque quando verem que podem aprender muitas coisas sem
mestre, já se tomarão por sábios, e não serão mais que ignorantes, na sua
maioria, e falsos sábios insuportáveis no comércio da vida”.[2] No Menon,
Platão confirma “aprender é sempre, em verdade, uma reminiscência”.[3] A
reminiscência como despertar intelectivo das ideias é diferente da memória que
é a conservação de sensações. Em Fedon Platão explica a teoria da
reminiscência segundo a qual a alma, ao
conhecer, recordar as ideias ou formas eternas que via antes de ficar presa no
mundo terreno “o nosso aprender não é senão recordar, [logo] é preciso ter
aprendido antes o que se recorda no presente. E isto não poderia ser, se a
nossa alma não tivesse vivido em outro lugar, antes de haver entrado nesta
forma de homem; pelo que, ainda por esta razão, torna-se evidente que a alma é
algo imortal[4]. No Fedro Platão expõe que “A alma que jamais observou a verdade nunca
atingirá a forma que é a nossa. E isso porque deve o homem compreender as
coisas de acordo com o que chamamos de ideia, que vai da multiplicidade das
sensações para a unidade, referida pela reflexão. A tal ato chama-se
reminiscência das realidades que outrora a nossa alma viu, quando seguia no
cortejo de um deus”.[5] No
Teeteto Platão explica que “a memória é explicada como impressão deixada
pelas sensações em uma espécie de bloco de cera introduzido na alma, de acordo
com a qualidade da cera as impressões são mais distintas ou confusas, duráveis
ou apagadas”. A escrita mata a verdadeira memória, aquela que permite
através de uma disciplina exigente reencontrar o divino saber.
[1] ALVAREZ, Lopez. O
enigma das pirâmides, São Paulo:Hemus, 1978, p.129
[2] ALVAREZ, Lopez. O
enigma das pirâmides, São Paulo:Hemus, 1978, p.135; BOORSTIN, Daniel. Os
descobridores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1989, p.441
[3] MONDOLFO, Rodolfo. O
pensamento antigo v.I. São Paulo:Mestre Jou, 1964, p.212; VALLE, Lilian. Os
enigmas da educação, Belo Horizonte: Autêntica, 2002, p. 83
[4] MONDOLFO, Rodolfo. O
pensamento antigo v.I. São Paulo:Mestre Jou, 1964, p.256
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