quinta-feira, 8 de julho de 2021

A individualidade na polis grega

 

Rodolfo Mondolfo observa que Protágoras tem em vista o homem medida de todas as coisas, o indivíduo em sua variável subjetiva. Platão no Teetetos critica essa máxima de Protágoras em que contra argumenta que o homem não pode ser a medida de todas as coisas pois enquanto um pode tremer de frio outro pode se sentir confortável. Gomperz tenta resolver esse argumento sugerindo que Protágoras estava se referindo ao homem enquanto espécie e não como indivíduo, no entanto, não há qualquer suporte em Platão, Aristóteles ou mesmo ao próprio Protágoras a esta interpretação. José Pessanha, por sua vez, destaca que a afirmação de Protágoras de ser o homem a medida de todas as coisas reflete uma progressiva valorização da medida humana que se reflete no avanço da democracia grega, fruto desta valorização.[1] Arnold Toynbee observa: “na linguagem tradicional judaico cristão muçulmana poderíamos dizer que os helenos viam no homem o Senhor da Criação e o adoravam como um todo, ao invés de Deus”.[2] Arnold Toynbee mostra que esse traço do individualismo grego influenciou o cristianismo ao tornar Deus humano submetendo-o ao sofrimento da condição humana, ainda que Paulo (1 Coríntios 1:23) destaque a imagem de um Cristo crucificado fosse visto como uma pedra de tropeço para os judeus e loucura para os gregos[3]. Edith Hall destaca a individualidade como um dos traços característicos dos gregos da antiguidade, talvez pelo fato de ser uma sociedade escravocrata. A palavra para liberdade, eleutheria, significa o oposto da palavra usada para escravidão, o que fazia com que valorizasse ainda mais sua liberdade.[4] Com Sólon os direitos da individualidade são reconhecidos como fundamento ético[5].

Donald Kagan mostra que os poemas de Homero exaltam as virtudes do herói como individualidade enquanto a Bíblia cristã é centrada em Deus. Para os gregos o núcleo de suas vidas é moldado por coisas humanas ao contrário dos cristãos. A visão grega presume o homem vivendo em sociedade. Aristóteles destaca o homem como criatura política e que precisa de uma polis[6]. No Éden cristão a perfeição é associada a não ter de trabalhar. A transgressão de querer adquirir do fruto da árvore do conhecimento e querer ser um deus, é punida com a expulsão desse paraíso de perfeição. O paraíso cristão para o grego não faz sentido, é uma forma pré social, pré política. Segundo Donald Kagan a vida na polis grega está associada ao pecado cristão.[7] A busca por honra e glória está na essência do ideal grego, sem contudo o intuito de tornar-se um deus. Para Werner Jaeger: “o início da história grega surge como princípio duma valoração nova do Homem, a qual não se afasta muito das ideias difundidas pelo Cristianismo sobre o valor infinito de cada alma humana nem do ideal de autonomia espiritual que desde o Renascimento se reclamou para cada indivíduo”.[8] Na Grécia antiga o indivíduo é visto como membro da polis e esta é quem o define  de modo que a dimensão política (a ação pública na comunidade) e a moral encontram-se integradas. Para os gregos há uma analogia entre o microcosmo (homem) e o macrocosmo (sociedade). Sob a democracia ateniense grega do século V a.c. o Estado não conhece famílias mas unicamente indivíduos de mesmo valor, princípio que se opõe ao regime oligárquico.[9] Na pólis grega a ágora, o mercado de Atenas, a se estabelece como espaço democrático, espaço de sociabilidade urbana e que inclui também o comércio de produtos diversos.[10] Aristóteles dirá que o homem é um animal político “que vive na pólis”, o seja, a polis e não o núcleo familiar é o cerne da civilização grega.[11] Donald Kagan mostra que a polis grega se diferencia de outras cidades Estado da antiguidade pelo fato de que no caso grego o indivíduo vivia em função da polis. Norberto Guarinello destaca que “dentre as formas de organização social que surgiram nesse período, no entanto, as pólis foram o elemento mais dinâmico. Não representaram apenas um processo de urbanização, mas também uma completa reestruturação das relações entre os habitantes de uma região determinada, que passaram a agir em conjunto, a tomar decisões políticas, nas praças ou nos conselhos, e eleger seu comandantes..E isso, tanto para resolver seus conflitos internos quanto para agir com ou contra os estrangeiros. Dessa relação de unidade surgiu o conceito de cidadania e a separação entre cidadãos e não cidadãos”. [12]

[1] VALLE, Lilian. Os enigmas da educação, Belo Horizonte: Autêntica, 2002, p. 142

[2] TOYNBEE, Arnold. Helenismo: história de uma civilização, Rio de Janeiro: Zahar, 1963, p. 20

[3] TOYNBEE, Arnold. Helenismo: história de uma civilização, Rio de Janeiro: Zahar, 1963, p. 26

[4] HALL, Edith. The ancient greeks, London:Vintage, 2015, p.7

[5] JAEGER, Werner. Paideia, São Paulo:Ed. Herder, 1936, p.175

[6] História da Grécia Antiga #4 - com Donald Kagan, de Yale, 10:00

[7] História da Grécia Antiga #4 - com Donald Kagan, de Yale, 22:00 https://www.youtube.com/watch?v=3D302A0dpfM&t=5s

[8] JAEGER, Werner. Paideia, São Paulo:Ed. Herder, 1936, p.9

[9] GLOTZ, Gustave. A cidade grega. São Paulo:DIFEL, 1980, p.108

[10] MUMFORD, Lewis. A cidade na história, São Paulo:Martins Fontes, 1982, p. 168

[11] FUNARI, Pedro. Grécia e Roma, São Paulo:Contexto, 2004, p.49

[12] GUARINELLO, Norberto Luiz. História Antiga. São Paulo: Contexto, 2020, p.89




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