quinta-feira, 29 de julho de 2021

Os jesuítas e o ensino dos primeiros ofícios

 

Na Companhia de Jesus o padre Jorge Esteves é apontado como primeiro carpinteiro, também encarregado de administrar fazendas de gado. No início do século XVII a Confraria dos Ofícios mecânicos no Colégio Jesuíta da Bahia contava com apenas oitenta membros.[1] O sapateiro Manoel Gomes é registrado em 1682 na Companhia de Jesus tendo exercido atividades de enfermeiro e farmacêutico. O padre Serafim Leite em sua História da Companhia de Jesus dedica um volume as Artes e Ofícios dos Jesuítas no Brasil no período 1549 a 1760. Os artesãos que sabiam consertar moendas e rodas d’ água dos engenhos de açúcar eram muito procurados.[2] José Anchieta foi um fabricador manual de alpercatas, o principal calçado utilizado pelos jesuítas no Brasil colonial: “e sou já bom mestre e tenho feito muitos para os irmãos, porque não se pode cá andar pelos matos com sapatos de couro”[3]. Em carta Manuel da Nóbrega informa: “Quase nenhuma das artes necessárias para o comércio da vida deixam de fazer os irmãos: fazemos vestidos, sapatos, principalmente alpercatas de um fio, como cânhamo, que nós outros tiramos duns cardos lançados na água e curtidos, cujas alpercatas, pela aspereza das selvas e das grandes enchentes de água, é necessário passar muitas vezes por grande espaço até a cinta, e algumas vezes até o peito, barbear, curar feridas, sangrar,  fazer casas e coisas de barro e outras semelhantes coisas que se buscam fora, de sorte que a ociosidade não tem lugar nesta casa”.[4] Entre os índios o uso de sandálias visava não apenas a proteção dos pés mas também para despistar o inimigo, e seu hábito conforme observa Sérgio Buarque de Holanda surge associado a entidades mitológicas como o curupira, de pés as avessas, presente principalmente do  imaginário dos povos tupi[5]. Manuel da Nóbrega e José de Anchieta contavam com os irmãos Salvador e Gonçalo Pires que faziam os trabalhos de carpintaria, marcenaria e entalhadores.[6] Uma carta dos jesuítas de 1551 revela a demanda por artífices: “Nesta terra, pela falta que há de oficiais, a necessidade nos faz aprender todos os ofícios”.[7] Anchieta introduziu em São Paulo a fabricação de tecidos para vestir os índios ofício que o jesuíta Vicente Rodrigues ensinou aos próprios índios. Um noviço vindo da Espanha era tecelão e auxiliou-o na tarefa segundo Serafim Leite[8]. Manuel da Nóbrega contou por cinco anos com o trabalho de um oficial pedreiro Nuno Garcia degredado[9]. O padre Manuel de Paiva que substitui Manuel da Nóbrega na Bahia ocupava-se em carpintejar e fazer taipas.[10] Em carta de 1549, endereçada a Simão Rodrigues, provincial da Companhia de Jesus em Portugal, o padre Manuel da Nóbrega se referia à ausência de carpinteiros para a construção de edificações: “a terra não oferece facilidade para contratar oficiais mecânicos”.[11] Em carta de 1549 Manuel da Nóbrega solicita o envio de tecelões diante da abundância de algodão. Apenas alguns anos após as aldeias jesuíticas registram a presença de índios tecelões.[12] Em carta de 15 de junho de 1553 em São Vicente, Manuel da Nóbrega informa que mandou ensinar os ofícios de ferreiro e tecelão a moços da terra. [13]

[1] SCHWARTZ, Stuart. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial. São Paulo: Cia das Letras, 1988, p. 37

[2] SCHWARTZ, Stuart. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial. São Paulo: Cia das Letras, 1988, p. 37, 38

[3] BARDI, Pietro Maria. Mestres, artífices, oficiais e aprendizes no Brasil, Banco Sudameris Brasil, 1981, p. 82; NASH, Roy. A conquista do Brasil. São Paulo:Cia Editora Nacional, 1939, p. 155; TOLEDO, Roberto Pompeu de. A capital da solidão, Rio de Janeiro: Objetiva, 2012, p. 106

[4] BRITO, José Gabriel Lemos. Pontos de partida para a história econômica do Brasil. Brasiliana v. 155, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1980, p.188

[5] AQUINO, Fernando, Gilberto, HIran. Sociedade brasileira: uma história, São Paulo: Record, 2000, p.207

[6] LIMA, Heitor Ferreira. História Político econômica e industrial do Brasil, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1970, p. 93; LIMA, Heitor Ferreira. Formação industrial do Brasil, Rio de Janeiro:Fundo de Cultura, 1961, p. 229

[7] IGLESIAS, Francisco. A industrialização brasileira, Coleção Tudo é história, n° 98, São Paulo:Brasiliense, 1986, p. 16

[8] LIMA, Heitor Ferreira. Formação industrial do Brasil, Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961, p. 149

[9] LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil, Rio de Janeiro: Civillização Brasileira, 1938, Tomo I, livro I, p.49

[10] LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil, Rio de Janeiro: Civillização Brasileira, 1938, Tomo I, livro I, p.57

[11] FERREIRA, Amarílio; BITTAR, Marisa. Artes liberais e ofícios mecânicos nos colégios jesuíticos do Brasil colonial. Revista Brasileira de Educação v. 17 n. 51 set.-dez. 2012, p.693-751 http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v17n51/12.pdf

[12] NOVAIS, Fernando. História da vida privada no Brasil , v.1, São Paulo:Companhia das Letras, 2018. Edição do Kindle, p.107

[13] HANSEN, João Adolfo.  Manuel da Nóbrega, Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010



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