João José Res mostra como o trabalho realizado pelos negros nagôs na Bahia no século XIX nos chamados “cantos de trabalho” nas ruas da cidade trabalhando como autônomos (artesãos, lavadeiras, alfaiates, vendedores ambulantes, aguadeiros, barbeiros, artistas, pedreiros, carpinteiros, carregadores de carga e de cadeira de arruar), como “escravos de ganho” constitui um locus importante para o redimensionamento das identidades africanas e criação de novos laços de solidariedade.[1] No século xix, Charles Darwin, ao visitar uma fazenda de café no Rio de Janeiro, observou que os escravos trabalhavam “para si próprios” aos sábados e domingos. O cafeicultor de Paty de Alferes Francisco Peixoto de Lacerda comprava café das roças de escravos[2] o que lhes permitia juntar um pecúlio. Ciro Flamarion identifica este proto campesinato negro que cria oportunidades a que se chama de “brecha camponesa”. Nos trabalhos “A brecha camponesa no sistema escravista” (1979), “As concepções acerca do “sistema econômico mundial” e do “antigo sistema colonial”: a preocupação obsessiva com a “extração de excedente” (1980) e “Escravo ou camponês? O protocampesinato negro nas Américas” (1987), Ciro Cardoso procurou enfatizar os elementos econômicos de ordem interna em especial o papel, ainda que secundário, da economia autônoma dos escravos, que se destaca em relação ao plantation voltado à exportação de produtos coloniais, em uma crítica a perspectiva de autores como Fernando Novaes que se limitam a descrever a economia colonial como um apêndice da economia europeia. Ciro Flamarion ao contrário do que afirma Jacob Gorender, destaca que era comum os senhores de engenho concederem aos escravos pequenos lotes de terras juntamente com o tempo disponível para cultivá-los, sendo raro o envio de feitores para essas roças no sentido de vigiar os cativos. Segundo Ciro Flamarion: “Por “brecha” não entendemos de forma alguma, um elemento que pusesse em perigo, mudasse drasticamente ou diminuísse o sistema escravista. (...) O que queremos significar (...) é uma brecha para o escravo, como se diria hoje “um espaço”, situado sem dúvida dentro do sistema, mas abrindo possibilidades inéditas para atividades autônomas dos cativos”.[3] Segundo José Reis: “Grande parte dos negros de Salvador, escravizados ou não, trabalhava nas ruas. [...] Eram responsáveis, sobretudo, pela circulação de objetos e pessoas através da cidade. Carregavam de tudo: pacotes grandes e pequenos, do envelope de carta a pesadas caixas de açúcar e barris de aguardente, tinas de água potável e de gasto para abastecer as casas, tonéis de fezes a serem lançadas ao mar; e transportavam gente em saveiros, alvarengas, canoas e cadeiras de arruar. Os negros também circulavam pelas ruas em demanda a seus empregos como oficiais mecânicos (pedreiro, ferreiro, tanoeiro, sapateiro, alfaiate etc.), e as mulheres cobriam alargado território urbano na condição de ambulantes. Muitas escravas e escravos dividiam sua jornada de trabalho entre a casa e a rua: compravam o alimento nos mercados e nas feiras para depois prepará-lo na cozinha senhorial e, em seguida, retornavam às ruas para vender comida pronta e outros produtos. Assim, após cumprirem as tarefas do serviço doméstico, saíam para o ganho na rua, uma típica dupla jornada escravista”.[4] João Reis estima que um escravo de ganho, poderia poupar o suficiente para comprar sua alforria em nove anos de trabalho.[5] Laurentino Gomes aponta que haviam escravos que trabalhava como segurança armada da colônia, atuando como milícias de fazendeiros. Em 1691 o regente da Companhia de Jesus denunciou a Lisboa a ação de uma destas milícias que incluía negros a serviço de brancos.[6]
[1] REIS, João José.
Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos malês em 1835, São Paulo:
Cia das Letras, 2012, p. 351, 386
[2] GOMES, Laurentino. Escravidão, v.II, São Paulo: Globo, 2021. p.219
[3] GARCIA, Simone Pereira. Ciro Flamarion Cardoso e a questão da brecha camponesa.
Revista Tempo Amazônico | V. 1 | N. 1| janeiro-junho de 2013 | p. 5-16
[4] GOMES, Laurentino. Escravidão, v.II, São Paulo: Globo, 2021. p.212
[5] REIS, João José.
Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos malês em 1835, São Paulo:
Cia das Letras, 2012, p. 352
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