sábado, 17 de julho de 2021

A cerâmica marajoara e o papel da cultura

 

Em 1870 Ferreira Penna descobriu que a ilha do Pacoval, no Marajó, era de fato um cemitério indígena, com grande quantidade de material cerâmico[1] a qual se seguiram diversas outras expedições como as de Orville Derby em 1876, Algot Lange do Museu de História Natural de Nova York em 1913, Curt Nimuendaju da Universidade Gotemburgo em 1922; Helen Palmatary da Universidade de Pensilvania em 1941; Clifford Evans e Betty Meggers da Universidade de Columbia em 1948, entre outros[2]. A Ilha de Marajó não pode ser considerada como centro de difusão de estilos cerâmicos, pois sua fase marca o fim de um ciclo de períodos sucessivos alcançados por cinco grupos culturais no período pré histórico (culturas Ananatuba, Mangueiras, Formiga, Aruã e Marajoara).[3] A fase marajoara, portanto, é de ocorrência mais recente datando de 400 a 1350 segundo Simões em datação realizada em 1969.[4] Angyone Costa observa a grande variedade de estilos encontradas nas cerâmicas amazônicas.[5] Na cerâmica marajoara são encontradas quase vinte técnicas diferentes com padrões geométricos e figuras as de animais amazônicos como tartarugas, jacarés e serpentes, enquanto que na cerâmica tupi guarani no litoral são encontradas apenas quatro técnicas. O frade dominicano Gaspar de Carvajal, membro da primeira expedição europeia a descer o rio Amazonas em 1541 relata sobre a cerâmica amazônica: “louça que é da melhor que já se viu no mundo, porque a de Málaga na Espanha não se iguala a ela, pois é toda vidrada e esmaltada, de todas as cores e tão vivas que espantam, e além disso os desenhos e pinturas que nela fazem são tão detalhados como os da louça romana”.[6] Anna Roosevelt mostra que as  representações femininas nos vasos de Marajó mostram a predominância das mulheres como líderes e sacerdotisas[7]. Na década de 1990 Anna Roosevelt encontrou em Marajó cerâmicas em terracota datadas de 6000 a.c.[8] Denise Schaan mostra o surgimento de diversos “cacicados” da ilha de Marajó, que ocuparam por cerca de 900 anos as áreas sazonalmente inundáveis dos campos formado a partir do século V quando imensas plataformas de terra, conhecidas como tesos marajoaras, com até 12m de altura e 2 a 3 hectares em área, passaram a ser erguidas imponentemente sobre a paisagem tediosamente plana dos campos.[9] Segundo Josué Camargo Mendes: “na fase marajoara havia marcante estratificação social e divisão ocupacional do trabalho”.[10] Angyone Costa relata a origem andina das cerâmicas do Amazonas destacando-se o povo da família aruak ou nu-aruak.[11] Ferreira Pena atribui a origem no caribe, enquanto Heloisa Alberto Torres defende ter ocorrido uma evolução a partir da própria região resultante de uma aculturação tupi resultado da transposição para a cerâmica da técnica de trançado em cestaria: “a meu ver a única explicação que se pode dar para esse surto paradoxal é o fato de se ter desenvolvido a um nível considerável a arte do trançado antes da conquista da arte de cozer com a argila. Uma vez esta adquirida, serviu à estamparia fiel dos motivos que os trançados criaram [..] A sensibilidade [dos desenhos] era excepcional mas desgraçadamente faltava-lhes a cultura, que é indispensável à firmação da independência e ao prosseguimento da evolução da arte. A arte de marajó, de posse de meios fáceis de trabalho, e, acredito também, sob influência estrangeira, rapidamente decaiu. Assim a mesma cerâmica que a imortalizou, abriu-lhe a porta da decadência. Os marajoaras não tinham economia cultural que lhes defendesse o patrimônio em face da penetração estrangeira, em face das facilidades de trabalho. A técnica criou, a sensibilidade desenvolveu de modo deslumbrante, mas não havia cultura que firmasse a riqueza. Não tinha museus. As mais belas produções eram enterradas e a simples tradição não era bastante para salvaguardar o substrato riquíssimo” .[12]

[1] SANJAD, Nelson. "Ciência de potes quebrados": nação e região na arqueologia brasileira do século XIX. An. mus. paul.,  São Paulo ,  v. 19, n. 1, p. 133-164,  June  2011 .   Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-47142011000100005&lng=en&nrm=iso>

[2] BARATA, Frederico. As artes plásticas no Brasil, Arqueologia, Rio de Janeiro: Ediouro, 1968, p. 121

[3] EYDOUX, Henri Paul. Á procura dos mundos perdidos, São Paulo:Melhoramentos, 1967, p. 285; GALVÃO, Eduardo. Exposições de antropologia, Belém: Museu Goeldi, 19778, p. 15

[4] GALVÃO, Eduardo. Exposições de antropologia, Belém: Museu Goeldi, 19778, p. 13, 28

[5] COSTA, Angyone. Introdução à arqueologia brasileira: etnografia e história, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1938, p.152

[6] LOPES, Reinaldo. 1499 o Brasil antes de Cabral,Rio de Janeiro:Harper Collins, 2017, p. 129

[7] FUNARI, Pedro; NOELLI, Francisco. Pré história do Brasil, São Paulo:Contexto, 2016, p. 100

[8] LONGHENA, Maria; ALVA, Walter. Peru Antigo. Grandes civilizações do passado. Madrid:Folio, 2006, p.64

[9] SCHAAN, Denise; MARTINS, Cristiane. Muito além dos campos: arqueologia e história na Amazônia Marajoara, Belém: GkNoronha, 2010, http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/PubDivArq_MuitoAlemCampos_m.pdf

[10] MENDES, Josué Camargo. Conheça a pré história brasileira, São Paulo: USP, Polígono, 1970, p. 110

[11] COSTA, Angyone. Introdução à arqueologia brasileira: etnografia e história, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1938, p.286

[12] BARATA, Frederico. As artes plásticas no Brasil, Arqueologia, Rio de Janeiro: Ediouro, 1968, p. 130



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