sábado, 17 de julho de 2021

Origem da cerâmica marajoara

 

Não está claro se a técnica marajoara se difundiu para o norte da Colômbia (4500 a.c), litoral do Equador (3200 a.c.), costa do Peru (2460 a.c.), Panamá (2140 a.c.) e sul da Mesoamérica (1805 a.c.) ou se estes foram desenvolvimento independentes.[1] Helen Palmatary estabeleceu as correlações  da cultura marajoara  e a afiliações culturais entre as duas importantes áreas arqueológicas  do baixo amazonas, a Tapajó e a Marajó estabelecendo semelhanças  destas com a cerâmica dos mounds do sul dos Estados Unidos. O modelo original de Julian Steward ignorava tais interações[2]. Betty Meggers (na figura) aponta a similaridade da cerâmica do norte da Colômbia com as encontradas em Marajó[3]. Angyone Costa aponta semelhanças da cerâmica marajoara e a dos povos Mojos na Bolívia e da arte Diguita na Argentina.[4] Os potes de pescoço estreito ornados com o rosto humano que aparecem na louça brasileira amazônica tem origem Andina segundo Angyone Costa.[5] Povos do Cone Sul, Chaco e Brasil Central eram considerados marginais vivendo em bandos de caçadores coletores sem instituições políticas. As tribos da floresta tropical estariam acima dos marginais por viverem em aldeias mais permanentes, porém dispersas mas ainda sem instituições políticas. Na região circuncaribenha e nos Andes apareciam um outro tipo de formação social caracterizada pela centralização política e religiosa e estratificação da sociedade em classes. No topo desta classificação encontram-se os povos dos Andes centrais e da costa do Pacífico, com o império Inca com populações densas e formas sofisticadas de administração pública e lugar de origem da domesticação de plantas, uso do metal e manufatura da cerâmica[6]. Nesta perspectiva Betty Meggers e Clifford Evans em trabalho publicado em 1957 descreve a complexidade da cerâmica marajoara como um resquício de uma cultura subandina: [7] “um exame de todas as provas leva à conclusão de que esse povo era originário de uma área onde pudera desenvolver uma agricultura intensa, necessária a manter um mais alto grau de avanço cultural do que aquele que é possibilitado pelo ambiente de uma floresta tropical. Forçado a abandonar aquela área, emigrou até chegar à ilha de Marajó, que encontrou habitada pelos pequenos e dispersamente organizados grupos das fases Mangueiras e Formiga. Ou porque já existisse entre eles uma tradição de construção de mounds, ou em virtude de que as elevações rasteiras e inundadas naõ permitiam a utilização do tipo de habitação a que estavam acostumados, construíram os aterros artificiais. A terra inundada no inverno e lodosa no verão não prestava à espécie de agricultura necessária a assegurar um suprimento constante de alimentos para a manutenção de uma cultura tão altamente desenvolvida. Peixe em abundância e uma variedade de pequena caça, podiam ser encontrados, mas exigiam-lhe um dispêndio de muitas horas de trabalho, além das que precisavam para produzir equivalentemente com a agricultura. Com a sua nova modalidade de subsistência, a cultura marajoara declinou gradativamente e as últimas remanescentes ou se mudaram ou foram absorvidos pelos aruás, único grupo existente na ilha quando da chegada dos europeus”.[8]  Meggers e Evans reconhecem em Marajó  cinco fases de ocupação: 1) a fase Anatuba 2) fase Mangueiras, 3) fase Formiga, 4) fase Marajoara (séculos V a VII em que se destaca a cerâmica Pacoval como expostas no Museu Goeldi e Museu Nacional)[9], 5) fase Aruã.[10] Segundo Anna Curtenius foi principalmente na sociedade marajoara que as mulheres foram mostradas em papeis xamanísticos ou de chefia, assim como sua perda de poder se reflete nas mudanças iconográficas de sua cerâmica. Anna Curtenius mostra que embora as sociedades nas planícies amazônicas de fato sejam posteriores às andinas, não se pode tratá-las como provenientes dos Andes, tendo sua origem de culturas cerâmicas anteriores da Amazônia oriental bem distantes dos Andes, a mais antiga delas encontrada no baixo Amazonas: “ao invés de sequências culturais curtas e derivadas e de ocupações ligeiras (como sugere Meggers) temos agora evidências de existências de uma sequência longa e complexa, de ocupações substanciais de prolongada duração, de sociedades complexas de larga escala e de consideráveis inovações e influências partindo da Amazônia para outras áreas” .[11] O padre Antonio Vieira, bastante minucioso em seus contatos  no século XVII ao chegar à região da ilha de Marajó se refere a região de numerosas nações indígenas mas não faz a menor referência à existência de cerâmica  entre os indígenas o que revela que na época da conquista portuguesa os artistas oleiros  já haviam desparecido, de modo que nunca houve dúvidas quanto a origem pré cabralina da cerâmica marajoara[12]



[1] FAGAN, Brian. Los setenta grandes inventos y descobrimentos del mundo antiguo, Barcelona:Blume, 2005, p. 38

[2] FAUSTO, Carlos. Os índios antes do Brasil, Rio de Janeiro:Zahar, 2005, p. 24

[3] MEGGERS, Betty. América pré histórica. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, p. 153

[4] COSTA, Angyone. Introdução à arqueologia brasileira: etnografia e história, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1938, p.296

[5] COSTA, Angyone. Introdução à arqueologia brasileira: etnografia e história, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1938, p.327

[6] FAUSTO, Carlos. Os índios antes do Brasil, Rio de Janeiro:Zahar, 2005, p. 13

[7] NEVES, Walter. Assim caminhou a humanidade, São Paulo:Palas Athena, 2015, p.308

[8] BARATA, Frederico. As artes plásticas no Brasil, Arqueologia, Rio de Janeiro: Ediouro, 1968, p. 147

[9] MENDES, Josué Camargo. Conheça a pré história brasileira, São Paulo: USP, Polígono, 1970, p. 141

[10] MENDES, Josué Camargo. Conheça a pré história brasileira, São Paulo: USP, Polígono, 1970, p. 103

[11] ROOSEVELT, Anna Curtenius. Arqueologia Amazônica. In: CUNHA, Manuela Carneiro. História dos índios no Brasil, São Paulo:Cia das Letras, 1992, p. 81

[12] BARATA, Frederico. As artes plásticas no Brasil, Arqueologia, Rio de Janeiro: Ediouro, 1968, p. 128



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