sábado, 17 de julho de 2021

A invenção do álcool

 

Se um alquimista descobrisse um processo com perspectivas de ser bem sucedido, ele submetia as mesmas substâncias centenas de vezes ao mesmo processo antes de se chegar ao resultado final. O processo de retornar um destilado ao seu resíduo e submetê-lo novamente a destilação era chamado de cohobation. Em 1167 o médico Salernus da cidade de Salerno descobriu o processo de destilação do álcool.[1] A “água” que se formava no processo compartilhava propriedades que mais se opunham à água, similares ao fogo na medida em que era uma “água” que queimava, tal como um combustível, denominada “água ardente”. Coube a Paracelso denominá-la de “álcool”, uma referência ao antigo termo egípcio “Kohl” que significava qualquer substância de grande volatividade.[2] Uma tradição não comprovada atribui a al Razi  o pioneirismo no uso medicinal do álcool.[3] A palavra álcool (al kohol) significa “tudo aquilo que é muito fino”.[4] Lydia Mangold afirma que Raimundo Lulio como alquimista trabalhou na destilação do álcool que denominava de anima coelica, mercurius vegetabilis e conseguiu obter carbonato de amônia pela destilação da urnia, sendo pioneiro na preparação de tinturas e essências refinadas.[5] Fernand Braudel, por sua vez, atribui como fantasia a versão de que o álcool teria sido primeiramente realizada por Raimundo Lulio morto em 1315, pois em cerca de 1100 a escola de medicina de Salerno na Itália já teria conhecimento da destilação[6]. No século seguinte Taddeo Alderotti descobre a destilação fracionada do álcool conseguindo o produto com 90% de pureza. A partir do século XII a purificação do álcool é mencionada com frequência por alquimistas como Ramón Lullio e Arnald Villanova.[7] Menéndez Lelayo afirma que Arnaud Villanova é equivocadamente tratado como praticante de alquimia medieval.[8] Arnald de Villanova havia obtido o álcool no século XIV o qual denominou de spiritus vini (em inglês spirits é um nome genérico para destilados), a qual Paracelso (na figura) passou a denominas de alcohol seguindo a origem árabe al kuhl , referente a um pó metálico obtido por sublimação usado para colorir as pálpebras[9]. Lynn White observa que a destilação por muito tempo considerada invenção dos povos muçulmanos agora é considerada invenção da Europa Ocidental. [10] O texto medieval Mappae Clavicula ou “Uma pequena chave para o desenho” constituía uma compilação de tratados alquímicos de Alexandria, o qual Berthelot acredita conter uma das mais antigas referências a destilação do álcool[11].



[1] DERRY, T.; WILLIAMS, Trevor. Historia de la tecnologia: desde la antiguidade hasta 1750, Mexico:Siglo Vintuno, 1981, p.379; CAMP, L. Sprague de. The ancient engineers, New York: Ballantine Books, 1963, p. 354; GIES, Frances & Joseph. Cathedral, forge and water wheel, New York:Harper Collins, 1994, p.163

[2] FILGUEIRAS, Carlos. Origens da química no Brasil, Campinas:Ed. Unicamp., 2015, p.40

[3] RONAN, Colin. História Ilustrada da Ciência, v.II Oriente, Roma e Idade Média, Rio de Janeiro:Zahar, 2001, p. 129

[4] MANGOLD, Lydia Mez. Imagens da história dos medicamentos, Basileia:Hoffman La Roche, 1971, p.55

[5] MANGOLD, Lydia Mez. Imagens da história dos medicamentos, Basileia:Hoffman La Roche, 1971, p.69

[6] BRAUDEL, Fernand. Civilização material e capitalismo, séculos XV-XVIII, Rio de Janeiro:Cosmos, 1970, p.196; TATON, René. A ciência antiga e medieval: a Idade Média, tomo I, v.III, São Paulo:Difusão, 1959, p. 145

[7] SINGER, Charles; HOLMYARD, E. A history of technology, v.II, Oxford, 1956, p.142; SINGER, Charles. From magic to science. New York:Dover, 1958, p.95

[8] MENESES, José Newton. Os alambiques, a técnica da produção da cachaça e seu comércio na América portuguesa. In: BORGES, Maria Eliza. Inovações, coleções, museus. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011, p.130

[9] PIMENTA, Reinaldo. A casa da mãe Joana. Rio de Janeiro: Campus, 2002, p. 226

[10] WHITE, Lynn. Tecnologia e invenções na Idade Média. In: GAMA, Ruy. História da técnica e da tecnologia, São Paulo:Edusp, 1985, p. 90

[11] THORNDIKE, Lynn. A History of magic and experimental science, v.I, Columbia University Press, 1923, p.765




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