domingo, 18 de julho de 2021

As marcas da escravidão

 

Os escravos africanos antes de embarcar nos navios negreiros recebiam quatro diferentes marcações na pele: a identificação do responsável pelo envio do escravo, o selo da Coroa portuguesa que era gravado sobre o peito direito, indicando que os impostos haviam sido pagos, uma terceira marca em forma de cruz indicava que havia sido batizado. A quarta marca sobre o peito ou nos braços indicava o nome do traficante do navio negreiro que estava embarcando a carga. Ao chegar no Brasil poderiam receber ainda uma quinta marca, de seu novo proprietário. Em quibumbo crimbo significa marca. Todo o processo de marcação a ferro quente era assustador e ficava a cargo do “marcador de negros”.[1] O alvará régio de 3 de março de 1741 determinava: “Eu, El-Rei, faço saber aos que este alvará virem, que sendo-me presentes os insultos que no Brasil cometem os escravos fugidos [...], passando a fazer o excesso de se juntarem em quilombos, e sendo preciso acudir com remédios que evitem esta desordem, hei por bem que a todos os que forem achados em quilombos, estando neles voluntariamente, se lhes ponha com fogo uma marca em uma espádua com a letra F [...], e, se quando se for executar esta pena, for achado já com a mesma marca, se lhe cortará uma orelha, tudo por simples mandado do juiz de fora, ou ordinário da terra ou do ouvidor da comarca, sem processo algum e só pela notoriedade do fato, logo que do quilombo for trazido, antes de entrar para a cadeia”.[2] Gilberto Freire identifica diversas dessas marcas como identificadoras das tribos de origem dos negros: “ostentando nos dorsos nus marcas, feitas a fogo, de suas tribos de origem, que talvez fossem para eles motivos de orgulho ao mesmo tempo étnico e cultural que os fizesse resistir não só ao trajo dos seus senhores como aos seus adornos, aos seus alimentos, aos seus santos, à sua música, às suas danças, às suas artes. Marcas ostentadas por alguns nas próprias faces”. [3] Tais traços facilitavam a identificação do escravo fugido: “Outros traços pelos quais facilmente se apanhava o negro fugido eram as tatuagens, os talhos, as marcas de fogo de tribo ou "nação" africanas de sua origem, os sinais de ferro quente dos compradores. Ignácio, nação lnhambane, cara redonda, que fugiu em 1833 de uma casa do Rio de Janeiro, ostentava "sinais de sua terra ao longo do nariz ... ". Teresa, nação Beni, estatura mediana, um tanto fula, cabelo bastante ralo, cabeça, orelha e cara pequenas, beiços grossos, tinha "no Jogar das fontes uns talhos à imitação de pés de galinha" [4]



[1] GOMES, Laurentino. Escravidão, v.I, São Paulo: Globo, 2109. p.282

[2] GOMES, Laurentino. Escravidão, v.II, São Paulo: Globo, 2021. p.271

[3] FREIRE, Gilberto. O escravo nos anúncios de jornais brasileiros do século XIX, Brasialan v. 370, São Paulo: Ed. Nacional, 1979, p. LIII

[4] FREIRE, Gilberto. O escravo nos anúncios de jornais brasileiros do século XIX, Brasialan v. 370, São Paulo: Ed. Nacional, 1979, p. 35



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