Para
Gilberto Freire a mestiçagem será o traço principal da colonização portuguesa:
“O português foi por toda a parte, mas sobretudo no Brasil, esplendidamente
criador nos seus esforços de colonização. A glória do seu sangue não foi tanto
a de guerreiro imperial que conquistasse e subjugasse bárbaros para os dominar
e os explorar do alto. Foi principalmente a de procriador europeu nos trópicos.
Dominou as populações nativas, misturando-se com elas e amando com gosto as
mulheres de cor [...] O amor desses homens pelas mulheres índias e mais tarde
pelas africanas, amor acima de preconceitos e convenções, agiu poderosamente na
formação do Brasil, adoçando-a; amolecendo o que o sistema econômico do
trabalho escravo prometia levantar ali de hirto, talvez até cruel e de desumano.
Nunca houve maior vitória do humano, do demasiadamente humano, sobre o
econômico”.[1] Uma evidência desta integração se verifica na evolução do idioma português
que acolheu elementos destas diferentes matizes da cultura nacional: “o
ideal não me parece que deva ser o de uma língua portuguesa hirta [inflexível],
cuja conservação pura no Brasil nos custasse uma expressão deformada e até
falsa de nossa vida. Muito menos o de uma “língua brasileira” que nos separasse de Portugal o mais possível
pela consagração de tudo que fosse gíria arrevesada ao mesmo de arcaísmos
peculiares ao Brasil. O ideal seria uma língua transnacional, que
correspondesse aos desejos de aproximação e ao mesmo tempo aos de diversidade
dos povos da América, da África, da Ásia, das ilhas como formam com Portugal
uma unidade essencial de sentimento e de cultura”. [2] Com a independência se observa nas letras brasileiras um movimento de rejeição
de valores portugueses como se observa em Gonçalves de Magalhães em “Discurso
sobre a História da Literatura do Brasil” publicado em 1836 “O Brasil,
descoberto em 1500, jazeu três séculos esmagado debaixo da cadeira de ferro, em
que se recostava um governador colonial com todo o peso de sua insuficiência, e
de seu orgulho. Mesquinhas intenções políticas, por não dizer outra coisa,
ditavam leis absurdas e iníquas que entorpeciam o progresso da civilização e da
indústria”. Em Portugal, por sua vez, criticava-se as vicissitudes em que o
idioma português era submetido no Brasil. Após a visita do imperador Pedro II
em Lisboa em 1872, Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão irão escrever “As farpas”
em que escrevem “Os srs. do Brasil que dêem uma direção à sua linguagem de
modo que não venha a cair com um enxurro sobre os nossos dicionários que passam.
Em último caso que a canalizem “ E assim o brasileiro que tiver a expelir um
período eloquente ou uma frase sublime, já se não aproxima da nossa gramática,
dirige-se logo à sarjeta!”.[3] O mensário As Farpas foi publicado entre 1871 e 1883, como crónica mensal
da política, das letras e dos costumes», assinados por Ramalho Ortigão e Eça de
Queiroz.[4]
[1] FREYRE, Gilberto. O
mundo que o português criou, Recife; É Realizações, 2010, p. 25, 118
[2] FREYRE, Gilberto. O
mundo que o português criou, Recife; É Realizações, 2010, p. 41
[3] MOTA, Maria Aparecida Rezende. (Re)inventando a nação no Brasil e em Portugal –
diálogos e impasses da geração de 70. In: COSTA, Gomes. Brasil e ortugal 500
anos de enlaces e desenlaces, Real Gabinete Português de Leitura no Rio de Janeiro,
2000, p. 221
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