segunda-feira, 26 de julho de 2021

O mecanismo de escape dos relógios: uma invenção medieval

 

David Landes aponta o mecanismo de escape mecânico[1] como uma grande invenção que permitiu a criação de relógios totalmente mecânicos. Daniel Boorstin atribui a esta invenção medieval um papel revolucionário para a experiência humana.[2] O escape trava uma roda por um momento para liberá-la em seguida marcando o ritmo do ponteiro no relógio e consta de documentos de 1335 [3]. Com o escape um peso caindo a uma curta distância era convertido em movimento de staccato (escape) poderia manter um relógio trabalhando por horas. O movimento possibilitava engrenar e desengrenar alternativamente os dentes do mecanismo do relógio de modo que a uniformidade de suas medidas estava relacionado com a precisão e regularidade do escape. Usher destaca a descrição de um mecanismo de escape na obra de Villard de Honnecourt em 1250 em uma estrutura de uma estátua de um anjo que sempre aponta para o sol, mecanismo que denomina "cest li masons don orologe" (casa do relógio) e que os descreve junto com mecanismos de movimento perpétuo.[4] Frances Gies observa que o mecanismo de escapa é descrito de forma tão grosseira que provavelmente não teve nenhuma influência na invenção dos mecanismos de escape usados posteriormente em relógios.[5] As mais antigas descrições completas do escape em relógios mecânicos são encontradas no tratado de Dondi que descreve um relógio planetário, o astrarium, terminado em 1364 e no poema de Froissart Li orloge amoureus escrito em 1368 que teria sido baseado em grande parte no relógio construído para o Palais de Justice por Henri Vick iniciado em 1364 e terminado em 1370.[6] O relógio de Dondi utiliza o mecanismo de escape (na figura) desenvolvido pelos chineses séculos antes.[7] Em sua obra Il Tractatus Astrarii de 1364 Dondi recusa em descrever seu mecanismo de escape formado por coroa e foliot (verge and foliot) embora o mesmo esteja muito bem ilustrado dizendo que se tratava de uma técnica bastante comum de sua época tratando-a como algo bastante simples de amplo conhecimento e que não merece maiores detalhamentos por ser trivial.[8] Dondi adverte o leitor que se não consegue entender tais trivialidades então terá dificuldade em compreender as dificuldades dos mecanismos de seu relógio. Derek Sola Price aponta que Dondi demonstra estar falando em tom retórico para supervalorizar sua invenção, pois se uma invenção revolucionária é tratada com tal desprezo então seu relógio tende a ser considerado ainda mais genial.[9] Jacques le Goff aponta esta invenção como responsável pela laicização do tempo, que deixa de ser um privilégio da igreja. Derek Sola Price mostra a presença de mecanismos de escape em relógios descritos nas tábuas astronômicas Afonsinas do rei de Castela Alfonso X o sábio, publicadas em 1252 quando de sua ascenção ao trono e que se tornaram uma referência medieval nos cálculos astronômicos, previsões de eclipses, cálculos de calendários e horóscopos. Derek Solla Prce mostra que o desenvolvimento do mecanismo de escape está diretamente relacionado com a busca de máquinas de movimento perpétuo, perpetuum Mobile.



[1] https://en.wikipedia.org/wiki/Verge_escapement

[2] BOORSTIN, Daniel. Os descobridores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1989, p.49

[3] DELUMEAU, Jean. A civilização do Renascimento, Lisboa:Estampa, 1984, v.I, p.175

[4] USHER, Abbott. Uma história das invenções mecânicas, Campinas:Papirus, 1993, p. 260; FRUGONI, Chiara. Invenções da Idade Média, Rio de Janeiro:Zahar, 2007, p. 85

[5] GIES, Frances & Joseph. Cathedral, forge and waterwheel, New York: Harper Collins, 1994, p. 211

[6] USHER, Abbott. Uma história das invenções mecânicas, Campinas:Papirus, 1993, p. 269

[7] CAMP, L. Sprague de. The ancient engineers, New York: Ballantine Books, 1963, p. 331

[8] GIES, Frances & Joseph. Cathedral, forge and waterwheel, New York: Harper Collins, 1994, p. 212, 214

[9] https://en.wikipedia.org/wiki/Verge_escapement



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