sábado, 3 de julho de 2021

Imagens: o evangelho dos iletrados

 

Edward Burns aponta que da questão iconoclasta lançada pelo imperador Leão III em 725 ao proibir o uso de imagens nos templos, havia entre as razões a disputa de imperadores reformistas contra o poder dos monges que auferiam ganhos com a manufatura e venda de ícones, contando com apoio dos que denunciavam tais práticas como uma corrupção dos ideais cristãos.[1] Por volta do ano 600, o papa Gregório Magno e em 794 no Concílio de Frankfurt se manifestaram contra uma adoração exagerada das imagens, ao mesmo tempo em que reconheceram sua utilidade educativa. Em uma carta ao bispo Sereno de Marselha em 600 Gregório Magno reprova a destruição de imagens e lembra que elas servem para lembrar as histórias sagradas, suscitam o arrependimento dos pecadores e instruem os iletrados.[2] Segundo o Sínodo de Arras em 1025: “as almas simples e iletradas não podem conhecer a escritura ensinada nas igrejas; eles a conhecem por meio das imagens”.[3] Um século mais tarde Bernardo de Claraval exortva os bispos a “excitar por meio de imagens sensíveis a devoção carnal do povo quando não pudessem fazê-lo por meio de imagens espirituais”.[4] Segundo Henrich van der Loon: “A arte da idade média era o livro de figuras dos que não podiam ler. Todo quadro, toda obra de escultura, todo manuscrito ornado de iluminuras, toda tapeçaria eram criados com o único intuito de familiarizar a massa analfabeta com os episódios da sagrada escritura”.[5] Georgs Duby destaca que à exceção dos homens da Igreja, ninguém mais naquela época sabia le[6]. Para Georges Duby: “Não se esperava dessas imagens que conduzissem ao divino pela inteligência, mas pela sensibilidade, que elas exaltam. Imagens de ternura, e por isso femininas: inumeráveis estátuas de santas, amáveis, compassivas; a Virgem com o Menino, em toda a parte, adornada, maternal, amamentando; o leite, o seio de Maria – invenções iconográficas destinadas a mexer com as fibras mais obscuras do inconsciente: volta à infância; o olhar desliza para o que há de mais enternecedor na humanidade de Deus: o Menino Jesus”.[7] No ano 600, segundo o papa Gregório Magno “as pinturas podem representar para os analfabetos o que representam os escritos para os que sabem ler”.[8] Robert Fossier, contudo, observa que as ricas iluminuras como as Très riches heures de Jean duc de Berry de 1410 estavam longe do alcance de um público mas amplo sendo objeto restrito a colecionadores.[9] Victor Hugo dirá que as catedrais medievais eram verdadeiros “livros de pedra” em que os fieis poderiam se instruir.[10]

[1] BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental, Rio de Janeiro:Ed. Globo, 1959, p.290

[2] SCHMITT, Jean Claude. Imagens. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean Claude. Dicionário analítico do Ocidente medieval. v.I, São Paulo:Unesp, 2017, p. 668

[3] DELORT, Robert. La vie au moyen age, Lausanne:Edita, 1982, p.90; MANGUEL, Alberto. Uma história da leitura, São Paulo: Cia das Letras, 1997, p. 117; ASLAN, Nicola. A maçonaria operativa, Rio de Janeiro: Aurora, 1979, p. 47; GIES, Frances & Joseph. Cathedral, forge and waterwheel, New York: Harper Collins, 1994, p. 130

[4] DUBY, Georges. História artística da Europa: a Idade Média, tomo I, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997, p.16

[5] LOON, Hendrick van. As artes. Porto Alegre:Edição da Livraria do Globo, 1941, p. 455

[6] DUBY, Georges. O ano mil. Lisboa:Edições 70, 19967, p. 11

[7] DUBY, Georges, A Europa na Idade Média, São Paulo: Martins Fontes, 1988, p. 128

[8] FREMANTLE, Anne. Idade da fé. Biblioteca de História Universal Life. Rio de Janeiro:José Olympio, 1970, p.119; CASTELNUOVO, Eurico. O artista. In: LE GOFF, Jacques. O homem medieval, Lisboa: Editorial Presença, 1989, p.146

[9] FOSSIER, Robert. As pessoas da idade média, Rio de Janeiro: Vozes, 2018, p. 257

[10] ASLAN, Nicola. A maçonaria operativa, Rio de Janeiro: Aurora, 1979, p. 48



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