sexta-feira, 16 de julho de 2021

A "pureza de sangue" no Brasil colonial

 

Charles Boxer observa que tanto nos documentos oficiais portugueses como na correspondência privada até o século XVIII era muito comum a referência “pureza de sangue” e a “raças infectas”, no entanto, Edgar Prestage observa em estudo publicado em 1923: “É motivo de consideração o fato de Portugal, à exceção dos escravos e dos judeus, não fazer qualquer distinção de raça ou cor e todos os seus súditos, logo que convertidos ao catolicismo, serem elegíveis para postos oficiais”.[1] Russell Wood mostra que em seu conceito do Portugal do século XV a pureza de sangue se referia á pureza religiosa, “não corrompido” por uma ascedência judaica ou moura. No Brasil colônia o conceito foi expandido para incluir pessoas de descendência africana. Em 1497 D. Manuel impôs o batismo forçado a todos os judeus distinguindo entre os “cristãos velhos “ e “cristãos novos”. Em 1671 uma ordem régia de d. Pedro II usava como critério de exclusão para um ofício se trata de pessoa que seja cristão novo, mouro ou mulato considerados “defeitos”.[2] Mesmo Portugal na época tendo muitos escravos, esse conceito era desconhecido na metrópole: “a questão racial não constituía uma grande preocupação no Portugal do século XV, nem havia se estabelecido uma conexão entre negros e escravidão”.[3] O arcebispado da Bahia estabelecia em suas constituições sinodais que o candidato a sacerdote deveria ser isento de qualquer mácula como ser “judeu, mouro, mourisco, mulato, herético ou alguma outra infecta nação reprovada”, sendo contudo sempre possível uma autorização especial obtida junta ao bispo local, algo bastante comum diante da boa quantidade de padres mulatos e mestiços.[4] Os estatutos da Ordem Terceira de Mariana em Minas Gerais estipulava em 1723 que qualquer indivíduo que quisesse entrar na Ordem “deveria ser de nascimento branco legítimo, sem qualquer boato ou insinuação de sangue judeu, mourisco ou mulato, ou de Carijó ou de qualquer outra raça contaminada”.[5] Em 1749 um candidato à Ordem Terceira de São Francisco na Bahia garantiu diante de cinco testemunhas “que era de indubitável brancura e inquestionavelmente um cristão velho, puro de sangue sem sangue de judeu, mouro, mourisco, mulato ou qualquer outra nação infectada daqueles proibidos por nossa Sagrada Fé Católica”.[6] Em 1763 todo candidato à confraria da Ordem Terceira de São Francisco de Mariana em Minas Gerais deveria ser “de nascimento branco legítimo, sem quaisquer boato ou insinuação de sangue judeu, mourisco, ou mulato, de carijó [índio] ou de qualquer outra raça contaminada”. A Ordem Terceira de São Francisco de Vila Rica em 1765 proibia a admissão de “mulatos, judeus, mouros, hereges e seus descendentes até a quarta geração[7] A Ordem dos Carmelitas descalços de Santa Teresa criada em 1686 em Olinda não admitia qualquer noviço nascido no Brasil por mais “puro” que fosse seu sangue.[8] Russell Wood destaca que um descendente de africano assumiu uma capitania no Brasil assim como negros podiam servir a conselhos municipais. Charles Boxer mostra com o marques de Pombal (na figura) disseminam-se as medidas anti racistas, assim como foram abolidas as distinções entre cristãos novos e cristãos velhos na década de 1773[9], de modo que, por exemplo, na Casa de Misericórdia da Bahia os preconceitos contra origem cristã nova enfraqueceram-se consideravelmente ente 1730 e 1774[10], mantendo, contudo o “defeito da cor”.[11]

[1] BOXER, Charles. O império colonial português, Lisboa: Edições 70, 1969, p. 242, 252

[2] GOMES, Laurentino. Escravidão v. II, Rio de Janeiro:GloboLivros, 2021, p. 186

[3] RUSSELL WOOD, A. Histórias do Atlântico português, São Paulo: UNESP, 2021, p. 57

[4] GOMES, Laurentino. Escravidão v. II, Rio de Janeiro:GloboLivros, 2021, p. 187

[5] BOXER, Charles. O império colonial português, Lisboa: Edições 70, 1969, p. 281

[6] RUSSELL WOOD, A. Histórias do Atlântico português, São Paulo: UNESP, 2021, p. 69

[7] GOMES, Laurentino. Escravidão v. II, Rio de Janeiro:GloboLivros, 2021, p. 187

[8] BOXER, Charles. O império colonial português, Lisboa: Edições 70, 1969, p. 252

[9] RUSSELL WOOD, A. Histórias do Atlântico português, São Paulo: UNESP, 2021, p. 116

[10] BOXER, Charles. O império colonial português, Lisboa: Edições 70, 1969, p. 282

[11] GOMES, Laurentino. Escravidão v. II, Rio de Janeiro:GloboLivros, 2021, p. 186



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