Historiadores do início do século XX como Francis
Haverfield em sua obra A romanização da Bretanha romana ou Camille
Julian em História da Gália descrevem o avanço do império romano como
uma vitória da civilização contra a barbárie.[1] Mary
Beard, contudo, mostra como o poderio do império romano pode se estabelecer
devido a flexibidade com que as novas áreas conquistadas eram integradas: “O
que se pode afirmar com certeza é que os romanos praticamente não fizeram
nenhuma tentativa, mesmo durante essa fase mais tranquila de controle imperial [Pax
Romana], de impor suas normas culturais ou erradicar as tradições locais”[2], tendo
como exceção os druidas na Britânica acusados de sacrifícios humanos e os
cristãos. Em alguns casos as próprias áreas invadidas solicitavam a Roma a
intervenção como é o caso da cidade de Teos que solicitou ao imperador romano
que invadisse a cidade anexando-a ao Império de modo a dar maior tranquilidade
a sua população contra o rei local[3]. Na
Espanha, como exceção à regra geral, os romanos mantinham guarnições militares permanentes
em Sagunto (Murviedro), gades (Cádis) e Tarraco (Tarragona) de modo a garantir
o controle do comércio estabelecido desde a época dos cartagineses e das minas
de prata e ferro.[4] Ainda assim o império romano se integrou às tradições locais ibéricas, de modo
que Roma, que havia tomado a região aos cartigeneses africanos, foi sucedida
pela ocupação árabe no século VIII tendo a Espanha resistido aos invasores, o
que levou Oliveira Martins a concluir “a romanização transformou os espanhóis
a ponto de já não reconhecerem nos novos invasores [árabes] os seus antigos
companheiros de armas [cartagineses], nem os porventura seus irmãos de sangue:
tal poder as ideias de uma civilização [romana] exercem sobre a massa que informe das populações semi
bárbaras, que chegam a obliterar nela as simpatias vinculadas a uma
descendência comum!”.[5] Os inimigos de Roma contudo contestam o projeto imperial romano pacífico.
Segundo Tácito, referindo-se ao poder romano na Britânia: “eles criam a
desolação e chamam isso de paz” “solitudinem faciunt, pacem appellant”[6]. Mary
Beard observa que os povos conquistados eram tão militaristas quanto Roma.[7] Tito
Lívio destaca que as boas relações com as províncias invadidas foram a chave
para a dinâmica da expansão romana em seus primórdios. Tácito observa que a
maneira como muitas províncias se aculturavam e adotavam as tradições romanas
acaba servidno aos interesses de Roma: “Eles, em sua ignorância, davam a
isso o nome de civilização, mas na realidade era parte de sua escravização”
(humanitas vocabatur, cum pars servitutis esset).[8] Em
muitas províncias eram estendidos os direitos de cidadania romana aos nascidos
na região, incluindo o direito de voto: “isso preparou o terreno para um
modelo de cidadania e de pertencimento que teve enorme importância para as
ideias romanas de governo, direitos políticos e etnicidade e nacionalidade.
Esse modelo foi logo estendido ao exterior e acabou sustentando o Império
Romano”.[9] O imperador Septímio Severo tinha origem no território romano na África.
Trajano e Adriano eram da província romana da Espanha.[10] Esse
processo culminou em 212 quando Caracala transformou todo habitante livre do
Império em cidadão romano, de modo que mais de 30 milhões de habitantes das
províncias tornaram-se legalmente cidadãos romanos.[11]
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