quarta-feira, 30 de junho de 2021

Portugal precursor de uma agenda científica na diplomacia

 

O rei português D. João V se empenhou em resolver a questão da demarcação de terras valendo-se do suporte da ciência de sua época. Nesse sentido mandou vir astrônomos do estrangeiro da Itália, Alemanha e Suíça, encomendou “instrumentos matemáticos”, fundou um observatório astronômico para observação dos satélites de Júpiter enviou em 1729 uma missão de “padres matemáticos” ao Brasil para elaborarem uma nova carta de latitudes e longitudes na colônia de Sacramento. Todo esse aparelhamento custava caro, o novo sextante de Bion, por exemplo, custara seis mil cruzados.[1] A Comissão era formada pelos jesuítas Giovanni Baptista Carbone e Domenico Capacci (ou Domingos Capassi)[2]. Os padres chegaram ao Rio de Janeiro em 1730 onde instalaram seu observatório no Colégio da Companhia sobre o morro do Castelo onde puderam fazer o levantamento topográfico da cidade e da Baia de Guanabara em relação ao meridiano de Paris, sendo a primeira representação exata da Baía de Guanabara.[3] Nas observações astronômicas pode contar com suporte do também jesuíta matemático astrônomo Diogo Soares para as primeiras medidas de latitude e longitude do sertão.[4] Por outro lado, já era de conhecimento que áreas como Cuiabá e do Amazonas, excediam em muito a linha imaginária demarcatória prevista no Tratado de Tordesilhas.[5] Segundo Jaime Cortesão não faltam provas documentais de que a missão dos padres matemáticos era a fazer o levantamento topográfico em relação ao meridiano de Tordesilhas mantendo tais medições em sigilo, para que pudessem ser apresentadas em momento oportuno quando na negociação dos acordos de fronteira.[6] Jaime Cortesão observa que a preparação deste empreendimento científico envolveu a contratação de cartógrafos e engenheiros, tais como  bem como o astrônomo cartógrafo jesuíta padre Domingos Capacci, o engenheiro Frederico Jacob Weinholtz, o engenheiro e cartógrafo frei francês Estevão de Loreto, o engenheiro militar húngaro Carlos Mardel, o coronel engenheiro genovês Miguel Angelo Blasco entre outros. [7] Esta teria sido, segundo Jaime Cortesão, a primeira expedição geográfica e cartográfica enviada às Américas por uma nação europeia com um objetivo de Estado tendo em vista a delimitação da soberania política entre os domínios de nações conflitantes.[8] Para Jaime Cortesão os avanços na cartografia no século XVIII tendo como um dos destaques Azevedo Fortes abrem uma nova era na cultura expansionista portuguesa da mesma forma que no século XV a ciência náutica abriu caminho para a era das grandes navegações.[9] Jaime Cortesão destaca o papel ilustrado de Alexandre de Gusmão (na figura) em considerar a ciência dos conhecimentos geográficos e históricos como fundamento para a política, colocando no centro das ações a ciência tal como posteriormente fisiocratas franceses e enciclopedistas franceses, tais como Montesquieu , Turgot e Quesnay fariam alguns anos após: “torna-se necessário situar esse conceito na história das ideias durante o século XVIII para nos darmos conta de quanto ele é novo e contém em si germes revolucionários”.[10]

[1] CORTESÃO, Jaime. Alexandre Gusmão e o Tratado de Madrid, v.I, São Paulo: Funag, 2006, p.296

[2] CORTESÃO, Jaime. Alexandre Gusmão e o Tratado de Madrid, v.I, São Paulo: Funag, 2006, p.287

[3] CORTESÃO, Jaime. Alexandre de Gusmão e o tratado de Madrid, v.II São Paulo: Funag, 2006, p. 13

[4] RODRIGUES, José Honório. História da história do Brasil, São Paulo: Cia Editora Nacional, 1979, p.164

[5] CORTESÃO, Jaime. Alexandre de Gusmão e o tratado de Madrid, v.I São Paulo: Funag, 2006, p. 42

[6] CORTESÃO, Jaime. Alexandre de Gusmão e o tratado de Madrid, v.II São Paulo: Funag, 2006, p. 14

[7] CORTESÃO, Jaime. Alexandre de Gusmão e o tratado de Madrid, v.I São Paulo: Funag, 2006, p. 93

[8] CORTESÃO, Jaime. Alexandre de Gusmão e o tratado de Madrid, v.II São Paulo: Funag, 2006, p. 25

[9] CORTESÃO, Jaime. Alexandre Gusmão e o Tratado de Madrid, v.I, São Paulo: Funag, 2006, p.317

[10] CORTESÃO, Jaime. Alexandre Gusmão e o Tratado de Madrid, v.II, São Paulo: Funag, 2006, p.152



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