A bandeira de 1629 de Raposo Tavares teria feito nove
mil prisioneiros índios no Guaíra e os trazidos para São Paulo dos quais muitos
morreram pelo caminho. Novas incursões aumentaram o número de cativos para um
total estimado entre trinta e sessenta mil. As primeiras missões atacadas foram
a de Santo Antônio com uma fúria segundo o relato de jesuítas “com tal
crueldade que não parecem ser cristãos, matando as crianças e velhos que não
conseguem caminhar” inclusive cometendo assassinatos dentro das igrejas dos
que ali se refugiavam.[1] Segundo
relato do padre espanhol Justo Masilla: “Em que terra estamos, que vassalos
de Sua majestade católica fazem guerra a vassalos da mesma majestade, também
católicos, sem outro motivo senão fazê-los escravos e cativos ? Em que terra
estamos, que se permite seja feito o que nem entre hereges e mouros se faz?
“. Para o padre Mansilla São Paulo era uma vila “de gente desalmada e
rebelde, que não faz caso nem das leis do Rei nem das de Deus”. Em 1637 com
as missões do Guaíra destruídas por completo os bandeirantes liderados por Raposo
Tavares e Fernão Dias Paes iniciam os ataques a tape mais ao sul com a mesma
fúria destruidora, segundo o relato de reunião da Companhia de Jesus realizada
em Córdoba “feras mamelucas, compostas todas de homens facínoras, ímpios e
tolerados ladrões”.[2] Em
resposta aos ataques dos paulistas às missões em Guaíra em busca do apresamento
de índios, o padre Francisco Diaz Tano conseguiu junto ao papa em Roma uma
breve Commissum Nobis (1639) de Urbano VIII mandando publicar no Brasil a bula Veritas
ipsa de 1537 que determinava a liberdade dos indígenas da América com a
proibição de serem escravizados na medida em que são reconhecidos como “verdadeiros
homens – veros homines” de modo que “declaramos, que os ditos Índios, e
todas as mais gentes que daqui em diante vierem à noticia dos Cristãos, ainda
que estejam fora da Fé de Cristo, não estão privados, nem devem sê-lo, de sua
liberdade, nem do domínio de seus bens, e que não devem ser reduzidos a
servidão”.[3] Em 1640 o padre Tano apresentou o referido breve ao administrador eclesiástico Pedro
Albernaz para que desse publicidade as orientações de Roma. Isso gerou a reação
da Câmara Municipal de São Paulo, que expulsou todos os jesuítas inacianos da
cidade e organizou uma nova expedição contra os índios. No entanto em maio de
1641, após o fim da União Ibérica 1580-1640 e consequente elevação ao trono
português de D. João IV os vicentinos apresentaram ao novo rei as consequências
negativas da liberdade dos índios em outras capitanias, onde teriam se
aproveitado da mesma para se aliar a estrangeiros e promovido ataques a povoações
e fazendas. Em 1647 o rei português decretou anistia para todos que cumprissem
suas determinações no sentido de garantir a liberdade aos indígenas.[4]
[1] TOLEDO, Roberto Pompeu
de. A capital da solidão, Rio de Janeiro: Objetiva, 2012, p. 164
[2] TOLEDO, Roberto Pompeu
de. A capital da solidão, Rio de Janeiro: Objetiva, 2012, p. 168
[3] VIANNA, Helio. História do Brasil, primeira parte, período colonial. São Paulo:
Melhoramentos, 1972, p.208
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