sexta-feira, 11 de junho de 2021

A civilização do couro

 

Frederick Mauro registra uma curva de ascenção da economia brasileira entre 1787 e 1825 e conclui: “seríamos tentados a falar que, após a crise do ouro, o Brasil teria mergulhado numa economia estacionária. Mas é o período em que se desenvolve a criação – poderíamos falar num ciclo do gado – e as culturas de substituição: cacau no Pará; algodão e arroz no Nordeste e no Sul”[1]. Antonil registra a existência de mais de 500 currais nos sertões da Bahia, com mais de meio milhão de cabeças de gado.[2] Na segunda metade do século XVIII foram negociadas mais de 10 mil mulas por ano na feira de Sorocaba.[3] Uma rês que valia 2 mil reis em São Paulo era vendida por 75 mil em Minas Gerais no auge da economia mineira.[4] Na década de 1780  o intercâmbio de comércio entre Minas e Bahia  limitava-se a caravanas de mulas trazidas pelos tropeiros que chegavam a caminhar mais de dois mil quilômetros[5]. A constante movimentação de tropas exigia que os animais fosse marcados a ferro em brasa para evitar confusões o que levou ao desenvolvimento de inúmeros ferreiros ao longo dos caminhos que os tropeiros atravessavam.[6] Ceará e Paraíba eram tradicionais fornecedores de charque para a Bahia. [7] Outras feiras se realizam em Santana, Curralinho e Candepuba na Bahia, Itabaiana e Brejo d’Areia na Paraíba, Campos de Santana e São Cristóvão no Rio de Janeiro, Itapemirim mirim no Maranhão, Três Corações do Rio Verde, Benfica e Sítio em Minas Gerais.[8] O historiador Capistrano de Abreu se refere a "Civilização do Couro" para descrever a importância da pecuária no interior nordestino. A criação de gado esteve diretamente ligada a viabilização de estradas que ligavam maranhão à Bahia com prolongamentos pelo Piauí e Goiás. Salvador se integrava à chapada Diamantina bem como os sertões de Ilhéus e Porto Seguro, ou seja, a criação de gado foi um importante fator de integração nacional[9]. Para Roberto Simonsen: “foi o gado o elemento de comércio por excelência por toda a hinterlândia brasileira, na maior parte da fase colonial. Indústria mais pobre, relativamente, que a do açúcar, apresentava, porém, uma feição caracteristicamente local, formadora de gente livre e com capitais próprios. A indústria açucareira, com outra organização social, funcionava, em grande parte com capitais da metrópole, aos quais eram atribuídos  os maiores proventos. A produção da pecuária, e o seu rendimento ficavam incorporados ao país. As suas feiras, entre as quais a de Sorocaba, exerceram uma função inconfundível na formação de nossa infra estrutura econômica unitária, antes da independência”.[10] No século XVII empreendedores como o padre Guilherme Pompeu de Almeida em metalurgia e serralheria[11], Gonçalo Lopes e Leonor Siqueira não eram exceções. A análise de testamentos e inventários do século XVII realizada por John French mostra que as maiores fortunas da época vinham do setor mercantil  e não de terras cultivadas.[12]

[1] CALDEIRA, Jorge. História da Riqueza no Brasil, Rio de Janeiro:Estação Brasil, 2017, p.159

[2] VIANNA, Helio. História do Brasil, primeira parte, período colonial. São Paulo: Melhoramentos, 1972, p.229

[3] CALDEIRA, Jorge. História da Riqueza no Brasil, Rio de Janeiro:Estação Brasil, 2017, p.155; CALDEIRA, Jorge. História do Brasil, São Paulo:Cia das Letras, 1997, p.81; PRIORE, Mary del. Histórias da gente brasileira, Vol. 1 Colônia. Rio de Janeiro:Leya, 2016, p. 122

[4] CALDEIRA, Jorge. História do Brasil, São Paulo:Cia das Letras, 1997, p.77

[5] SIMONSEN, Roberto. História Econômica do Brasil, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1962, p.175

[6] PRIORE, Mary del. Histórias da gente brasileira, Vol. 1 Colônia. Rio de Janeiro:Leya, 2016, p. 122

[7] MAXWELL, Kenneth. A devassa da devassa, Rio de Janeiro:Paz e Terra, ,1985, p. 241

[8] SIMONSEN, Roberto. História Econômica do Brasil, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1962, p.178

[9] VIANNA, Helio. História do Brasil, primeira parte, período colonial. São Paulo: Melhoramentos, 1972, p.234

[10] SIMONSEN, Roberto. História Econômica do Brasil, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1962, p.17, 186

[11] CALDEIRA, Jorge. Padre Guilherme Pompeu de Almeida, Rio de Janeiro: Mameluco, 2006

[12] PRIORE, Mary del. Histórias da gente brasileira, Vol. 1 Colônia. Rio de Janeiro:Leya, 2016, p. 96



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