quinta-feira, 17 de junho de 2021

O resgate da dignidade do trabalho pelos monges medievais

 

Joel Mokyr aponta a regra dos monges beneditinos como enfatizando o respeito ao trabalho. Todo o ideal beneditino se resume a “reza e trabalha” “ora et labora”)[1] o que segundo Michel Rouche era uma valorização do trabalho oposta a civilização romana que tinha como ideal de vida o ócio pessoal do homem culto[2]. Os beneditinos do mosteiro de Saint Gall na Suíça se destacaram pelos novos usos do moinho hidráulico para preparação de cerveja no ano de 900.[3] A reforma do mosteiro de Citeaux na Burgundia, seguindo a tradição beneditina utilizou o moinho não somente para moer cereais, mas para enchimento de pano, torças de cordas, forjas de ferro e fornos (onde as rodas do moinho acionavam os foles), prensas para fabricação de vinho e trabalhos na preparação do vidro. Os primeiros moinhos usados na metalurgia na Alemanha , Dinamarca e sul da Itália eram todos mosteiros cistercienses. O trabalho adquire a dignidade de um culto divino sendo praticado pelos monges letrados. Com isso, segundo Perry Anderson: “caía, indubitavelmente uma das barreiras culturais que se opunham à inovação e ao progresso técnico”.[4] Para Perry Anderson isto somente foi possível, não por uma iniciativa autônoma da própria Igreja, mas devido as transformações sociais da época com o enfraquecimento do escravagismo e ascenção do feudalismo, em que Igreja desempenhou um papel importante nessa passagem sabendo como se moldar as novas relações sociais que se estabeleciam. Orar é uma forma de trabalhar a trabalhar uma forma de orar.[5] O capítulo 48 da Regra de São Bento estabelece o preceito do trabalho manual e intelectual: “a ociosidade é inimiga da alma; por isso, em certas horas devem ocupar-se os irmãos com o trabalho manual e, em outras, com leitura espiritual”.[6] Pela Regra 66 “seja, porém, o mosteiro, se possível, construído de tal modo que todas as coisas necessárias, isto é, água, moinho, horta e os diversos ofícios, se exerçam dentro do mosteiro”.[7] Segundo Hilário Franco: “rezar é combater as forças maléficas, contribuindo para a salvação não apenas da alma do próprio monge, mas também de toda a sociedade; trabalhar é afastar a alma de seus inimigos, a ociosidade e o tédio, é alcançar através desta forma de ascese uma fonte de energia. Tanto quanto o trabalho manual, o intelectual, a leitura de textos sagrados, prepara a alma para a oração. Enfim orar é uma forma de trabalho, trabalhar é uma forma de orar”.[8]

[1] BLOCH, Raymond; COUSIN, Jean. Roma e o seu destino. Rio de Janeiro:Cosmos, 1964, p.305; FOSSIER, Robert. O trabalho na idade média. Rio de Janeiro: Vozes, 2018, p. 18; FOSSIER, Robert. As pessoas da idade média, Rio de Janeiro: Vozes, 2018, p. 103

[2] ROUCHE, Michel. Alta idade média ocidental. In: ARIÉS, Philippe; DUBY, Georges. História da vida privada: do império romano ao ano mil, v.1, São Paulo:Cia das Letras, 1990, p.519

[3] GIES, Frances & Joseph. Cathedral, forge and waterwheel, New York: Harper Collins, 1994, p. 114

[4] ANDERSON, Perry. Passagens da antiguidade ao feudalismo, Porto: Afrontamento, 1982, p. 148

[5] JÚNIOR, Hilário Franco. A idade média nascimento do Ocidente, São Paulo:Brasiliense, 2004, p.70

[6] NUNES, Ruy Afonso da Costa. História da educação na idade média, Campinas:Kirion, 2018, p.108; SOUZA, Jorge Vitor. Para além do claustro: uma história social da inserção beneditina na américa portuguesa, 1580-1690, Rio de Janeorp, UFF, 2014, p. 158

[7] SOUZA, Jorge Vitor. Para além do claustro: uma história social da inserção beneditina na américa portuguesa, 1580-1690, Rio de Janeorp, UFF, 2014, p. 175

[8] JUNIOR, Hilário Franco. A idade média nascimento do Ocidente. São Paulo:Brasiliense, 1986, p. 112



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