quarta-feira, 16 de junho de 2021

O papel do arado medieval

 

Os primeiros arados foram introduzidos na Inglaterra pelos invasores vikings[1], por volta do ano 1000[2]. Os séculos XI e XII foram marcados segundo Georges Duby por um “grande progresso da expansão demográfica e econômica; desenvolvimento da produção agrícola e artesanal; difusão de técnicas (charrua, arroteamento e pousio - fallow)”. Frances Gies destaca que tanto a rotação de culturas como o pousio não eram técnicas novas, a novidade estava na organização da atividade agrícola com campos abertos a todos e a necessidade de compartilhamento dos arados pesados puxados por bois.[3] Alcuíno ao tempo de Carlos Magno no século IX foi um promotor do sistema de pousio de três campos junto com a utilização do arado pesado, da construção de diques e escavação de canais de drenagem[4]. No século IX há controvérsias se o instrumento descrito como carrucae pelos capitulares e políticos carolíngios de fato se refere a uma charrua[5]. Um acordo ordenado entre dois senhores em 1199 ordena que a terra seja semeada com cereais na primavera de três em três anos sendo trigo no primeiro ano, aveia no segundo e nada no terceiro,[6] sistema também conhecido como “sistema dos três campos” ou “afolhamento trienal”.[7] Geoges Duby observa que os dados sobre arados usados na idade média datam do renascimento carolíngio no final do século VIII, relativos a propriedades maiores e mais bem administradas [8] Enquanto na região mediterrânea era usado um arado leve sem rodas, aratrum em latim ou araire em francês, os solos pesados da zona temperada da Europa exigiam um arado mais pesado para poder revolver a terra adequadamente a carruca em latim ou charrue em francês, o arado com rodas puxado por bois, que no Edictus Rotharii de 643 era descrito como plovum [9]. Lynn White observa que o sistema de três campos aumentou muito a produtividade agrícola em fins do século VIII. A adoção da charrua de ferro foi fundamental para o aumento de produtividade e consequente urbanização e aumento populacional no norte da Europa.[10] Jean Gimpel observa que se a relha das charruas medievais não fosse ao menos parcialmente de ferro jamais teriam conseguido desbravar as terras virgens e florestas do oeste e norte da Europa.[11] Outro aspecto decisivo para o aumento de produtividade na agricultura do século X foi a adoção do sistema de pousio e rotação de culturas,[12] assim como a prática da margagem ao tempo de Carlos Magno, uma argila que contém carbonato de cálcio e quando misturado à terra atua como fertilizante.[13] O arado de metal, que permitia abrir sulcos mais largos e profundos teve em muitos casos de vencer a resistência dos camponeses na Europa que acreditavam que o ferro envenenaria o solo de modo a substituir os antigos arados de madeira medievais.[14] Na Rússia a charrua de aivecas teve difusão bastante lenta e até o século XX o camponês russo ainda utilizava o simples arado ou soka (charrua de madeira). [15]



[1] WHITE, Lynn. Medieval technology & social change. Oxford University Press, 1964, p.52

[2] LEWIS, Brenda. Great civilizations, Parragon:London, 1999, p.233

[3] GIES, Frances & Joseph. Cathedral, forge and waterwheel, New York: Harper Collins, 1994, p. 111

[4] FREMANTLE, Anne. Idade da fé. Biblioteca de História Universal Life. Rio de Janeiro:José Olympio, 1970, p.20

[5] LE GOFF, Jacques. A civilização do Ocidente Medieval. Rio de Janeiro:Vozes, 2016, p. 183

[6] DUBY, Georges. Guerreiros e camponeses: os primórdios do crescimento econômico europeu, sec VII - XII, Lisboa: Editorial Estampa, p.207

[7] GIMPEL, Jean. A revolução industrial da Idade Média, Rio de Janeiro:Zahar, 1977, p.56

[8] DUBY, George. Guerreiros e Camponeses: os primórdios do crescimento econômico europeu do século XII. Lisboa: Estampa, 1980, p. 26, 28

[9] HODGETT, Gerald. História social e econômica da Idade Média, Rio de Janeiro:Zahar, 1975, p.26

[10] WHITE, Lynn. Tecnologia e invenções na Idade Média. In: GAMA, Ruy. História da técnica e da tecnologia, São Paulo:Edusp, 1985, p. 95

[11] GIMPEL, Jean. A revolução industrial da Idade Média, Rio de Janeiro:Zahar, 1977, p.38

[12] WHITE, Lynn. Medieval technology & social change. Oxford University Press, 1964, p.69; HODGETT, Gerald. História social e econômica da Idade Média, Rio de Janeiro:Zahar, 1975, p.216, 218; BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental, Rio de Janeiro:Ed. Globo, 1959, p.326

[13] HODGETT, Gerald. História social e econômica da Idade Média, Rio de Janeiro:Zahar, 1975, p.28

[14] BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental, Rio de Janeiro:Ed. Globo, 1959, p.509

[15] ANDERSON, Perry. Passagens da antiguidade ao feudalismo, Porto: Afrontamento, 1982, p. 290



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