terça-feira, 22 de junho de 2021

Ensino jesuítico: integração intelectual com ofícios manuais

 

Segundo Serafim Leite[1]: “Os ofícios mecânicos entraram no Brasil com os portugueses, primeiro nas vilas dos donatários, e logo, mais abundantes, ao fundar-se o Estado do Brasil em 1549. Na armada que levou Tomé de Sousa e Manuel da Nóbrega chegaram todos os elementos necessários à administração e defesa do novo Estado e a construção de sua capital que se ia erguer ali, onde antes não havia senão matas e algumas cabanas de palha. Com os jesuítas e os homens da administração civil e militar, assinala-se a presença dum médico (físico-cirurgião), dum arquiteto e dum mestre de obras, e contam-se numerosos pedreiros, carpinteiros, serradores, tanoeiros, ferreiros, serralheiros, caldeireiros, cavouqueiros, carvoeiros, caeiros (fabricantes de cal), oleiros, carreiros (fabricantes de carros), pescadores, construtores de bergantins, canoeiros, e até um barbeiro e um encadernador”. Serafim Leite destaca que o papel dos jesuítas se integrava em sua missão evangelizadora e civilizadora: “Se os colonos e administradores portugueses governavam a terra e a cultivavam como fonte de riqueza e elemento de soberania, os jesuítas da Assistência de Portugal amavam a terra e os seres humanos que essa terra alimentara no decorrer dos séculos. Os primeiros apoderaram-se do corpo; os segundos, da alma. Do concurso de uns e outros, completando-se, nasceu o Brasil. Enquanto os governadores, capitães, funcionários iam estabelecendo as bases do Estado, o elemento religioso alicerçava o novo edifício com formas tão elevadas e nobres, que dariam ao conjunto a solidez da eternidade”.[2] No sermão da Epifania, pregado em 1661 em Lisboa após a expulsão dos jesuítas do Maranhão, o padre Antonio Vieira destaca “Edificamos com eles [os ameríndios] as suas igrejas, cujas paredes são de barro, as columnas de pau tosco, e as abobadas de folhas de palma, sendo nós os mestres e os obreiros d’aquela architectura, com o cordel, com o prumo, com a enxada, e com a serra, e os outros instrumentos (que também nos lhes damos) na mão”.[3] Amarílio Ferreira e Marisa Bittar destacam que o trabalho pedagógico dos jesuítas integrava trabalho intelectual com trabalho manual. Segundo o padre Leonel Franca os colégios jesuítas do período colonial tinham como objetivo o pelo domínio das artes liberais (humanidades) pelo domínio da língua latina e estruturada por um método mneumônico de ensino (estudo pela repetição/memorização) e disputas orais: “O alvo a que mira a formação do Ratio – nisto em concordância incontestada com o ideal do século XVI – é a eloquência latina: ad perfectam informat eloquentiam. Levar o aluno a exprimir-se de maneira irrepreensível na linguagem de Cícero é o termo a que se subordinam todas as séries sabiamente graduadas do currículo. A gramática visa à expressão clara e correta; as humanidades, a expressão bela e elegante; a retórica, a expressão enérgica e convincente”. As condições materiais encontradas na colônia impuseram a necessidade de incorporar nesta pedagogia os ofícios e oficinas de artes mecânicas, para construção dos edifícios, residências, igrejas e colégios, ou mesmo os próprios engenhos. No depoimento de Serafim Leite: “Com o desenvolvimento e correspondentes necessidades dos colégios, começaram a aparecer, nas oficinas anexas, os encarregados dos engenhos, os praticantes de cirurgia, os artífices especializados em ourivesaria e até em estatuária, ainda que geralmente as esculturas finas vinham de afamados estatuários de Lisboa. Mencionamos ainda o ofício de enfermeiro, que às vezes era na realidade farmacêutica e tomou vulto no decorrer do tempo”.  Em 1614 foi criada a “Confraria de Oficiais Mecânicos” como mecanismo de controle ideológico religioso dos trabalhadores artesanais que labutavam nas propriedades jesuíticas. Ao contrário das corporações de ofício da Europa ocidental na mesma época, onde haviam aprendizes e jornaleiros, trabalhadores por jornada, no Brasil colonial a maior parte da mão de obra nas oficinas de artes mecânicas era escrava. Na conclusão de Amarílio Ferreira e Marisa Bittar: “Com os dados de que dispúnhamos, foi possível mostrar que os colégios jesuíticos não foram apenas “fortificações” da cultura ocidental cristã no interior da colônia lusitana situada nos trópicos americanos. Eles foram também locais de aprendizagem de artes mecânicas que instruíam, com frequência, os oficiais destinados a operar o funcionamento dos engenhos de açúcar, planejar a arquitetura e construir igrejas e colégios. Consequentemente, evidenciamos que o ensino jesuítico não foi exclusivamente livresco, e que a hegemonia educacional exercida pela Companhia de Jesus variou de acordo com as circunstâncias históricas que permearam a lógica colonial metropolitana, adquirindo aspectos de improvisação e adaptação ao meio”.



[1] FERREIRA, Amarílio; BITTAR, Marisa. Artes liberais e ofícios mecânicos nos colégios jesuíticos do Brasil colonial. Revista Brasileira de Educação v. 17 n. 51 set.-dez. 2012, p.693-751 http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v17n51/12.pdf

[2] VIANNA, Helio. História do Brasil, primeira parte, período colonial. São Paulo: Melhoramentos, 1972, p.103

[3] FERREIRA, Amarílio; BITTAR, Marisa. Artes liberais e ofícios mecânicos nos colégios jesuíticos do Brasil colonial. Revista Brasileira de Educação v. 17 n. 51 set.-dez. 2012



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