sábado, 5 de junho de 2021

Casa da Sabedoria

 

No Tratado Decisivo de Averrois o filosofo observa “que a lei convida à observação racional dos seres existentes e à pesquisa de um conhecimento desses pela razão, é algo manifesto em mais de um versículo do Corão”.[1] Disse o Profeta do Islam: "Instruir-se é dever de todos os muçulmanos" "Buscai o conhecimento, do berço à sepultura!" "Buscai o conhecimento, ainda que seja na China!"[2]. Os árabes não foram meros intermediários da cultura Clássica tendo sofrido influência não apenas dos gregos mas também da Índia e Pérsia. O Sahih al-Bukhari é a mais importante das seis grandes coleções de hadith do Islão sunita. Estas tradições sobre o Profeta do Islã Muhammad foram coletados pelo estudioso muçulmano de origem persa, Muhammad ibn Ismail al-Bukhari, depois de ter sido transmitida oralmente por várias gerações. Diversas foram as inovações promovidas pelos eruditos árabes reunidos na Casa da Sabedoria - Bayt al Hikmah instalada em Bagdá capital do império Abássida[3] tendo atingido seu auge no reinado de Al-Ma’mun (813-833). O local atraiu diversos sábios e tradutores de diversas partes do império como o filósofo al-Kindi, reunindo importante biblioteca transformando o árabe uma língua de comunicação intelectual de todo o império[4] um período que Colin Ronan chama de “renascimento cultural árabe”.[5] Hunayn ibn Ishaq e outros eruditos traduziram do grego a República de Platão, muitos dos trabalhos de Aristóteles, Dioscorides e Galeno, sendo que muitos destes trabalho chegaram até nos apenas por estas traduções em árabes, tendo sido perdidos os originais árabes.[6] Oliveira Martins observa que os árabes ao invadirem a península ibérica cuidaram para que judeus e cristãos tivessem liberdade de culto, mediante pagamento de um imposto, faculdade que já se observava entre os persas seguidores de Zoroastro “segundo se vê, a tolerância para com as religiões estranhas crescia à maneira que as conquistas avançavam”.[7] Oliveira Martins aponta que muçulmanos e cristãos chegavam a dividir uma mesmo igreja como em Córdoba, ainda que Oliveira Martins justifique essa medida ao caráter semipagão dos cristianismo espanhol da época[8]. René Taton observa que os árabes não se limitaram a traduzir mecanicamente as obras dos gregos, pois frequentemente cálculos e medidas, por exemplo, eram verificados, assim Al Batani fez um estudo crítico do sistema de Ptolomeu: “o mérito fundamental dos árabes consistiu, precisamente, em terem sido os primeiros a dar à ciência esse caráter internacional, que, em nossos dias, parece caracterizá-la em essência”.[9] As dificuldades gramaticais para tradução ao árabe a partir dos textos em grego exigiam um domínio seguro dos conceitos sendo traduzidos o que fomentou o espírito científico. A tradução do nome de plantas por exemplo exigia pesquisas tantos nos léxicos como na própria natureza para sua correta identificação.[10] A Universidade de Al Karaouine, em Fez no Marrocos foi fundada no ano 859 por Fatima al-Fihri filha de um rico comerciante, na época sob o domínio do califado fatímida e teve como alunos os filósofos Averroes e Maimônides e o geógrafo Muhammad al-Idrisi. O declínio da ciência árabe viria no século XII e XIII com a invasão dos turcos e mongóis. [11]

[1] TATON, René. A ciência antiga e medieval: a Idade Média, tomo I, v.III, São Paulo:Difusão, 1959, p. 22

[2] Sahih Bukhári, Sahih Musslim e Tirmizi.

[3] LYONS, Jonathan. A casa da sabedoria, Rio de Janeiro: Zahar, 2011, p.164; BOORSTIN, Daniel. Os criadores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1995, p.93

[4] BRAGA, Marco; GUERRA, Andreia; REIS, Jose Claudio. Breve historia da ciência moderna, v.I, Rio de Janeiro:Zahar, 2011, p. 36

[5] RONAN, Colin. História Ilustrada da Ciência, v.II Oriente, Roma e Idade Média, Rio de Janeiro:Zahar, 2001, p. 85

[6] GIES, Frances & Joseph. Cathedral, forge and waterwheel, New York: Harper Collins, 1994, p. 100

[7] MARTINS, Oliveira. História da civilização ibérica, Lisboa: Guimarães Editores, 1994, p.115

[8] MARTINS, Oliveira. História da civilização ibérica, Lisboa: Guimarães Editores, 1994, p.138

[9] TATON, René. A ciência antiga e medieval: a Idade Média, tomo I, v.III. São Paulo:Difusão, 1959, p. 32, 34

[10] TATON, René. A ciência antiga e medieval: a Idade Média, tomo I, v.III, São Paulo:Difusão, 1959, p. 32

[11] CAMP, L. Sprague de. The ancient engineers, New York: Ballantine Books, 1963, p. 307



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