O moinho d’agua torna-se nos séculos X e XI parte
integrante da paisagem rural ocidental.[1] Jêrome
Baschet observa que a difusão de moinhos d’água ocorreu durante a alta idade
média (séculos VIII ao X) paradoxalmente um período em que as cidades declinam
e a ruralização é seu traço mais marcante[2]. Marc
Bloch mostra que entre os deveres do camponês estava a obrigação de moerem os
grãos colhidos no moinho do senhor feudal, cozerem o pão em seu forno, fazerem
o vinho em seu lagar. Tais obrigações eram conhecidas vulgarmente como “banalidades”.[3] Perry
Anderson observa que o advento da azenha levou ao monopólio de exploração
senhorial de modo que os camponeses eram forçados a levar seu grão para ser
moído na azenha do senhor. Frances Gies mostra que os moinhos feito em madeira
estavam sujeitos a constantes quebras, ao passo que os moinhos de engrenagens
em ferro eram um luxo a que poucos tinham acesso.[4] A
tecnologia dos moinhos modificou a ordem social medieval destacando-se a posição
dos donos de moinhos que alugavam o equipamento para os camponeses moerem sua
produção, muito embora haja evidências de proprietários independentes de
moinhos entre os vilões que escapavam ao controle do senhor feudal[5]. As banalidades
eram tributos da época feudal pagos pelo servo, como um percentual da produção,
por exemplo por uma multura, ou seja, um a cada treze partes, para a utilização
de bens de propriedade do senhor feudal, pela utilização de equipamentos e
instalações do senhorio (celeiros, fornos, moinhos, pontes, etc), pois o senhor
feudal detinha todos estes equipamentos. Os moinhos propriamente ditos eram
chamados de banais. Em Portugal o foral de Anobra (1275) determina que pela
utilização dos moinhos se pague 1/4 ao rei. Segundo Marx no volume III do Capital
expõe que o senhor feudal era “o dono e senhor do processo de produção e de
todo o sistema de vida social”.[6] Em 1274
o abade John no mosteiro de Saint Albans em Cirencester ao norte de Londres
obrigava os moradores de Saint Albans a moer seu trigo e pisoar seus panos nos
moinhos do mosteiro. Tal monopólio era motivo de tensões na comunidade. Em 1331
o abade Ricardo II de Wallingford deu ordem de busca nas casas para que fossem
confiscadas todas as mós usadas nos moinhos à mão encontradas mandando
pavimentar o claustro da abadia com as mós dos moinhos[7] “para humilhar a gente comum”. Uma
revolta em 1381 levou a população ao mosteiro para reaver as mós apreendidas,
vingando-se da humilhação de cinquenta anos antes, distribuindo entre si os
fragmentos das pedras como “símbolos de solidariedade” segundo o
cronista Thomas Walsingham: “Entraram no
claustro, arrancaram as pedras mós encravadas no pavimento da residência
abacial e quebraram-nas. Depois distribuíram os pedaços como se fossem hóstias
sagradas na igreja paroquial”[8]. Usher
aponta que “alguns senhores feudais
reivindicavam jurisdição exclusiva sobre a moagem com o objetivo de limitar o
número de moinhos bem como obrigar os moradores a moer nos moinhos dos
senhores. Não foram completamente bem sucedidos em ambas as tentativas [...] na
prática ficou difícil obrigar os moradores a moer no moinho dos respectivos
senhores”[9] Marc Bloch observa que esta foi uma vitória efêmera pois logo após a carta de
Saint Alban foi anulada por estatuto real. Este é apenas um exemplo da
resistência do antigo sistema de moagem à mão contra os moinhos d’água
senhoriais, ou seja, contra a adoção da máquina hidráulica[10]. O
moinho d’ água inventado no século I a.c. tornou-se, contudo, comum somente
após a queda do Império romano[11]. Os
senhores feudais impunham tais cobranças pelo uso de seus moinhos com base no
poder de mando (do germânico ban) a
eles atribuído pelo rei. Sobre este poder se fundamentaram os monopólios ditos
“banalidades” com os quais eram
cobrados pesados direitos de moagem. Nuno Carvalho aponta que os conflitos em
mosteiros foram melhor documentados do que os existentes nas terras dos
senhores feudais devido a prática dos monges copistas e ao fato de que muitos
destes senhores feudais eram analfabetos, não deixando qualquer registro
histórico de seus conflitos, no entanto, o sentido excludente no uso dos moinhos
encontra paralelo na exclusividade temporária de certas técnicas. Robert
Fossier argumenta que o uso do moinho banal não era central na chamada
sociedade feudal uma vez que a moagem em casa continuou durante todo o período
medieval[12],
de modo que não procede a análise de Marx ao associar a dominação de um mestre
sobre seus homens à construção de seu moinho, ou seja, embora o moinho tenha
ajudado reforçar o controle do senhor sobre a economia camponesa, não foi este
o fator decisivo. Para Robert Fossier o uso de termos como “sociedade
feudal” e “feudalismo” constitui uma
simplificação grosseira: “toda essa
gesticulação feudal diz respeito a uma pequena parte da sociedade; o homem
comum não entende isso, e pouco se preocupa com isso”.[13]
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