Jorge Caldeira mostra que as perspectivas marxistas de Caio Prado Junior tendem a minimizar o papel do mercado interno, dos extratos intermediários da sociedade e o papel do ouro como incrementando as capacidades de acumulação primitiva na Colônia, simplificando a análise com uma sociedade dividida entre senhores de engenho e escravos e uma economia baseada no latifúndio agrário exportador[1]. A derrubada desse modelo explicativo, que não se sustenta em dados empíricos, corresponde a uma verdadeira revolução geocêntrica na historiografia brasileira.[2] Roberto Simonsen já havia questionado o modelo baseado no latifúndio em seu livro História Econômica do Brasil de 1935 e menciona o depoimento de Alfredo Ellis no século XVII: “as sesmarias maiores logo eram retalhadas, senão por compra e venda, ao menos por sucessão hereditária, de modo que se transformavam em pequenas fazendolas. Com isso pensamos que a propriedade rural paulistana no seiscentismo tem sido de cerca de cem alqueires em média; evoluindo no setecentismo para maiores proporções, em vista de haverem os paulistas emigrado para as minas e para o sertão mais distante, tornando menos densa população rural”.[3] Este modelo explicativo que aparece nas teses de Caio Prado Júnior, contudo já se encontra em linhas gerais presente na obra de conservadores como Oliveira Vianna que também identifica o latifúndio exportador como fonte de atraso no país que impede o surgimento de uma ideologia liberal. Em ambas as perspectivas marxista e conservadora não há espaço para o empreendedor, toda a lógica de desenvolvimento se ancora a subordinação ao governo central que o comanda.[4] Para Oliveira Vianna o poder local do senhor de engenho enfraquecia a coesão nacional e o poder central com efeitos deletérios sobre a economia, constituindo “nódulos de povoamento”.[5] Segundo Manoel Albuquerque: “A estrutura social da área de produção açucareira constituiu-se em um exemplo clássico das formas de dominação colonialista. O engenho era o organismo social que formava a base do poder econômico, jurídico político e ideológico desse setor da classe produtora escravista”[6]. Estudos empíricos confirmam a fragilidade do argumento de Caio Prado Júnior, como observado no estudo da economia feito por Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto que destacam o papel do mercado interno em Dependência e Desenvolvimento na América Latina de 1967.[7] O marxista João Fragoso já reconhece o peso do mercado interno da dinâmica colonial: “na Colônia havia a presença de um mercado interno de acumulações endógenas e de uma comunidade mercantil residente”.[8] Estudos de Rae Jean Dell Flory [9] e Stuart Schwartz mostram que a regra no Brasil colónia não eram engenhos como centenas de escravos mas uma pluralidade de unidades menores, a situação do proprietário menor com poucos escravos era dominante entre os plantadores de cana: “havia muito mais mercado interno e mobilidade social que as indicadas em hipóteses diretamente montadas sobre latifúndio”[10] dado confirmado na tese de Claudia Fuller de 1995 sobre os pequenos agricultores na economia açucareira.[11] Peter Eisenberg mostra que no município de Escada em Pernambuco dos 84 engenhos registrados no decênio de 1850 apenas 15% tinham mais de 3 mil hectares, sendo que a média das propriedades não açucareira é ainda menor, cerca de vinte vezes em relação aos engenhos de açúcar.[12] Jorge Caldeira estima que a imensa maioria dos proprietários rurais tinha menos de cinco escravos.[13] Manolo Florentino, contudo, mostra que entre 1790 e 1835 as propriedades rurais com mais de cinquenta escravos (plantations) concentravam em um e dois terços do total de escravos. Um relatório do marquês de Lavradio na capitania do Rio de Janeiro informava que os engenhos com mais de 41 escravos detinham 55% dos escravos rurais, ainda que o número médio de escravos por engenhos fosse menor do que o observado em outras regiões como a Bahia. Os dados de 1790-1835 de Manolo Florentino para o meio rural do rural do Rio de Janeiro mostram que a participação da faixa dos engenhos com mais de cinquenta escravos passou de um terço do total de escravos em 1790 para dois terços em 1835, ou seja, houve um aumento desta concentração da participação das plantations.[14]
[1] GUIMARÃES, Alberto
Passos. Quatro séculos de latifúndio, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968;
VINHAS, M. Problemas agrários camponeses do Brasil, Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1968
[2] CALDEIRA, Jorge.
História do Brasil com empreendedores, São Paulo:Mameluco, 2009, p.21
[3] SIMONSEN, Roberto.
História Econômica do Brasil, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1962, p.216
[4] CALDEIRA, Jorge.
História do Brasil com empreendedores, São Paulo:Mameluco, 2009, p.302
[5] CALDEIRA, Jorge.
História do Brasil com empreendedores, São Paulo:Mameluco, 2009, p.66
[6] ALBUQUERQUE, Manoel
Maurício. Pequena história da formação social brasileira, Rio de Janeiro:
Graal, 1981, p. 64
[7] CALDEIRA, Jorge.
História do Brasil com empreendedores, São Paulo:Mameluco, 2009, p.112, 293
[8] CALDEIRA, Jorge.
História do Brasil com empreendedores, São Paulo:Mameluco, 2009, p.294
[9] CALDEIRA, Jorge.
História da Riqueza no Brasil, Rio de Janeiro:Estação Brasil, 2017, p.115
[10] CALDEIRA, Jorge.
História do Brasil com empreendedores, São Paulo:Mameluco, 2009, p.116, 122
[11] CALDEIRA, Jorge.
História do Brasil com empreendedores, São Paulo:Mameluco, 2009, p.272
[12] EISENBERG, Peter.
Modernização sem mudança: a indústria açucareira em Pernambuco 1840-1910. São
Paulo: Unicamp, 1977, p.151
[13] CALDEIRA, Jorge.
História da Riqueza no Brasil, Rio de Janeiro:Estação Brasil, 2017, p.161
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