Georges Duby observa que o período no decorrer do
século XII mostra marcas evidentes da conquista de uma autonomia pessoal,
momento em que se observa um crescimento agrícola a a reanimação dos mercados e
aldeias: “tal mobilização das iniciativas
e das riquezas suscitou a valorização progressiva da pessoa [...] o que
reivindica uma identidade no seio do grupo, o direito de deter um segredo,
distinto do segredo coletivo”.[1] A
confissão auricular já difundida nas comunidades monásticas europeias do século
VII[2] é outra
marca desta sociedade que se volta para o indivíduo que havia de modificar o
sentido da palavra privado.[3] O bispo
Ambrósio (340-397) dizia que “pecar é comum a todos os homens, mas
arrepender-se é próprio dos santos” “culpam incidisse, naturae est, diluísse,
virtuitis”[4] e se refere a prática da penitência: “Pareceria impossível que os pecados
devam ser perdoar através penitência; Cristo outorgou este (poder) aos
apóstolos e dos apóstolos foi transmitido ao ofício dos sacerdotes” (De
poenitentia II, ii, 12). Em agosto de 390 o imperador Teodósio, que 380 promulgou
o edito de Tessalônica no qual reconheceu o cristianismo como religião oficial
do Império, ordenou o massacre da população em Tessalônica, ao executar cerca de sete mil pessoas, por motivação fútil. O bispo de Milão Ambrósio intimou o imperador
que se submeteu na noite de Natal do mesmo ano de 390 ao arrependimento público
junto com os demais penitentes vestido com os mesmos trajes, numa mostra do
costume de penitências coletivas públicas.[5] Segundo o
arcebispo de Alexandria, Atanásio (296-373): “Assim como o homem batizado
pelo sacerdote é iluminado pela Graça do Espírito Santo, assim também aquele
que em penitência confessa seus pecados, recebe através do sacerdote o perdão
em virtude da graça de Cristo” (Fragmentum contra Novatum, PG XXVI, 1315). O
arcebispo de Constantnopla, João Crisóstomo
(347-407): “Os sacerdotes receberam um poder que Deus não deu nem aos
anjos nem aos arcanjos. Foi dito a eles: 'Tudo o que ligares na terra será ligado
nos céus, e tudo o que desligares, será desligado. Governantes temporais têm
realmente o poder de ligação, mas eles só podem ligar o corpo. Sacerdotes, em
contraste, podem ligar com um vínculo que pertence à própria alma e transcende
os próprios céus. Será que [Deus] não lhes dar todos os poderes do céu? ‘De
quem você deve perdoar pecados’, diz ele, ‘são-lhes perdoados; cujos pecados
você retiver, são retidos’. Que maior poder há do que isso? O Pai entregou todo
o julgamento ao Filho. E agora eu vejo o Filho colocando todo esse poder nas
mãos dos homens [Mat. 10, 40, João 20, 21-23]. Eles são criados para esta
dignidade como se eles já estivessem reunidos para o céu” (O Sacerdócio 3,
5)[6]. O
primeiro testemunho de que estava em vigor a administração privada do
sacramento da Penitência, se deve ao Concilio III de Toledo (Espanha), em 589 que
a denunciava como abuso e exigia a observância da tradição antiga de confissão
pública[7]. Em 1215
no IV Concílio de Latrão em Roma havia sido instituída a obrigatoriedade da
confissão anual[8],
que já era uma prática na Igreja. Segundo o canon 21 do Concílio: “Todos os fiéis de ambos os sexos devem,
depois de terem atingido a idade do discernimento, fielmente confessar todos os
seus pecados pelo menos uma vez por ano ao seu próprio (pároco) sacerdote e
realizar no melhor de sua capacidade a penitência imposta”.
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