sexta-feira, 9 de abril de 2021

Sistema de numeração dos índios do século XVI

 

A numeração entre os índios não passava de cinco segundo Lery: “Quanto aos algarismos, não passam de cinco. Devido a isso, utilizam-se de castanhas de caju, cujo fruto torna-se maduro apenas uma vez por ano, em vez de calendário, para arcar o ano [...] Por isso quando se deseja saber deles há quanto tempo aconteceu isso ou aquilo ou a idade desta pessoa tem de se perguntar pelo número de castanhas”.[1] Hervás relata que o guarani usava a denominação genérica tuba, que significa “muito” para contagens acima de trinta.[2] No tupi o número um é jepê, o número dois mocoi, o número três é uma composição moçopir ou “além do dois”, do numeral dois em diante todos os números são compostos.[3] Robert Southey refere-se aos cinco primeiros números como auge-pe, moconein, mossaput, oioicondie, econecoinbo de modo que não procede a informação de que inexistem palavras em tupi para números superiores a três.[4] Georges Ifrah observa que esta é uma característica de outras sociedades primitivas e que se reflete por exemplo no francês em que a palavra trois (três)  se aproxima de très (muito), no italiano troppo (demais) ou do latim trans que significa “além de”.[5] O ano romano primitivo designava apenas os quatro primeiros meses com nomes particulares (Martius, Aprilis, Maius, Junius) os demais eram referência aos números ordinais: Quintilis, Sextilis, September, October, November, December.[6] No sistema de contagem romano os três primeiros números são representados por traços simples, da mesma forma que a notação maia usa pontos. No sistema arábico sua origem remonta o sistema indiano que representava os três primeiros números como traços horizontais. Quando as pessoas começaram a escreve sem tira a pena do papel, rapidamente o padrão se modificou para os atuais 1, 2 e 3, em que o traço para um tornou-se vertical.[7] As tribos do Orinoco contam até cinco, passam a cinco e um, cinco e dois até dois cinco, e assim por diante até quatro cincos [8]. Lancelot Hogben observa que a necessidade de se contar números maiores entre comunidades neolíticas se observou apenas quando estas comunidades desenvolveram a criação de gado e ovelhas [9]. Keith Devlin mostra que o cérebro humano reconhece os números de um a três por um mecanismo diferente do mecanismo utilizado para compreender números maiores.[10] Jean Léry relata uma conversa com um morubixaba tupinambá que sugere o conhecimento e a contagem do movimento lunar: “É certo que dissestes coisas maravilhosas e bonitas que nunca ouvimos, vosso discurso entretanto nos lembra o que muitas vezes ouvimos de nossos avós, isto é, que há muito tempo, já não sei quantas luas, um maior como vós, e como vós vestido e barbado, veio a este país e com as mesmas palavras procurou-nos persuadir-nos a obedecer o vosso Deus”.[11] Na língua tupi guarani “pyahu açu” significa “novidade grande”.[12] Sérgio Buarque de Holanda refere-se a carta de Bartolozzi que menciona Vespúcio segundo o qual os índios do Brasil contavam o tempo em meses lunares e se valiam de pequenas pedras para indicar idades. Com o auxílio de tais pedras o índio pode mostrar que vivera 1700 lunares, e tomando-se 13 lunações por ano, isso equivaleria a aproximadamente 132 anos o que corresponde ao relato de outros exploradores estrangeiros. [13]

[1]PRIORE, Mary del. Histórias da gente brasileiras, v.1 Colônia, Rio de Janeiro: Leya, 2016, p. 24

[2] VARNHAGEN, Francisco Adolfo. História geral do Brasil, São Paulo:Melhoramentos, 1948, v. I, p. 33

[3] POMBO, Rocha. História do Brasil, Rio de Janeiro: Annuario do Brasil, 1922, v.I, p.73

[4] SOUTHEY, Robert. História do Brasil, Brasília: Melhoramentos, 1977, v.1, p. 175

[5] DEVLIN, Keith. O gene da matemática, São Paulo: Record, 2004, p. 64

[6] IFRAH, Georges. Os números: a história de uma grande invenção. Rio de Janeiro: Globo, 1989, p. 18, 22; PIMENTA, Reinaldo. A casa da mãe Joana. Rio de Janeiro: Campus, 2002, p. 54

[7] DEVLIN, Keith. O gene da matemática, São Paulo: Record, 2004, p. 71

[8] SOUTHEY, Robert. Historia do Brasil, v. I. Rio de Janeiro:Garnier, 1862, p. 321

[9] HOGBEN, Lancelot. Las matemáticas al alcance de todos. Joaquín Gil: Buenos Aires, 1943, p. 46

[10] DEVLIN, Keith. O gene da matemática, São Paulo: Record, 2004, p. 60

[11] SILVA, Rafael Freitas. O Rio antes do Rio. Rio de Janeiro:Babilônia, 2015, p. 152

[12] INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO E GESTÃO, Museu do Amanhã. Inovanças: criações à brasileira, Rio de Janeiro, 2017, p. 23

[13] HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visões do paraíso, São Paulo:Brasiliense, 2000, p. 302



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