sábado, 17 de abril de 2021

Os escravos de ganho

 

Um censo de libertos realizado em Santana na Bahia em 1849 mostra que entre os escravos libertos apenas 18% tinham ocupações mais especializadas como carpina ("Carpina" tem origem no tupi karapina, uma variedade de pica-pau. O termo passou a ser aplicado também ao ofício de carpinteiro, por ambos trabalharem a madeira), pedreiro, sapateiro, alfaiate, que em geral remuneravam melhor em média quase o dobro de barbeiro, roceiro, acendedor de lampiões ou carregador de cadeira por exemplo.[1] Alguns destes libertos possuíam escravos como mostrou Inês de Oliveira que observou que numa amostra de 492 de libertos (1790-1890) na Bahia que deixaram testamento, possivelmente os mais abastados, cerca de 63% possuíam escravos.[2] No censo de Santana de 1849 entre os libertos foram registrados 22% com escravos, a grande maioria trabalhava com o auxílio de seu único escravo. A nagô Veridiana Maria de Lima vivia da renda proporcionada pelos seus oito escravos. Um dos participantes da revolta dos Malês em 1835 Luís Xavier é apontado como tendo oito escravos.[3] Segundo Inês de Oliveira “os ganhadores [escravos de ganho] gozavam de uma liberdade de movimentos muito mais ampla do que os escravos domésticos, submetidos à vigilância contínua direta dos senhores. Organizavam-se em grupos, os cantos, situados em locais previamente determinados pela municipalidade e geralmente com predominância de um grupo étnico”.[4] João José Reis mostra que na revolta dos malês em 1835 na Bahia, os escravos envolvidos foram punidos com diferentes penas. Em geral os senhores aceitavam as penas de açoites recebidas pelos escravos. Entretanto há casos de senhores que recorriam nos Tribunais em defesa de seus escravos. José da Sila Romão apelou em favor de seu escravo nagô Joaquim, sapateiro condenado a quinhentos açoites. João José Reis observa que tais recursos não eram feitos meramente por interesse econômico visto que o rico de morte era mínimo e havia um custo em entrar com tais recursos na Justiça: “parece que eles entendiam ser sua responsabilidade cuidar do bem estar de seus escravos, talvez para recompensá-los por bons serviços e lealdade. Essa atitude não pode ser confundida com a daqueles que claramente apelaram de sentenças que implicavam perdas econômicas irrecuperáveis”.[5]

[1] REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos malês em 1835, São Paulo: Cia das Letras, 2012, p. 369

[2] REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos malês em 1835, São Paulo: Cia das Letras, 2012, p. 267

[3] REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos malês em 1835, São Paulo: Cia das Letras, 2012, p. 488

[4] OLIVEIRA, Maria Inês Cortês. O liberto o seu mundo e os outros Salvador 1790-1890, Tese Mestrado Ciências Sociais, UFBA, 1979, p.57

[5] REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos malês em 1835, São Paulo: Cia das Letras, 2012, p. 462



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