O monastério cisticercense em Velehrad na República Tcheca registra o uso de rodas dágua para fabricação de ferro em 1269. A invenção dos moinhos movidos a água liberou as mulheres escravas da tarefa de passar uma grande parte do dia e da noite movendo as mós com seus próprios braços.[1] Jacques le Goff relata o testemunho de um monge de Clairvaux no século XIII que exalta o papel dos moinhos em poupar trabalho como uma benção de Deus: “Bom Deus Quantos consolos conferis a vossos pobres serviçais para impedir que uma tristeza grande demais os abata. Como aliviais as penas de vossos filhos que se penitenciam e como lhes evitais a sobrecarga de trabalho !”.[2] São Bernardo de Claraval / Clairvaux em 1150 destaca o papel dos moinhos: “quando a energia do rio faz girarem velozmente todos as rodas do moinho, ele gera espuma e parece que moeu a si mesmo e ficou mais cansado. Depois ele entra no curtume, onde dedica seus cuidados e seu trabalho à preparação do material necessário para o calçado dos monges, divide-se então em vários pequenos rios, e em sua corrida apressada passa por inúmeros compartimentos chegando até onde os seus serviços são necessários para os mais diversos escopos: cozinhar, girar as engrenagens, fracionar, banhar, lavar, moer, suavizar, sempre oferecendo de nom grado os seus serviços; por fim, para merecer completamente os agradecimentos e para não deixar nada incompleto, transporta consigo os detritos, deixando tudo limpo”.[3] Durante a vida de Bernardo de Clairvaux (1090-1153) os cistercienses fundaram dezenas de novas abadias e experimentaram uma expansão significativa.[4] O monge ideal era aquele que dominava todas as habilidades e trabalhos dos camponeses, carpintaria, alvenaria, jardinagem e tecelagem, conciliando de forma equilibrada o trabalho e a contemplação, em um retorno à regra dos beneditinos[5]. Segundo o biógrafo do monge cisterciense Aelred de Rievaulx (1110-1167)[6]: “não poupou a pele macia de suas mãos, mas manobrou virilmente com seus dedos esguios as ferramentas ásperas de suas tarefas de campo”. Georges Duby mostra que a proposta de austeridade da ordem de Cister criticava os monges de Cluny pelo seu gosto excessivo pelo luxo e conforto, propondo um novo estilo monástico reacionário e retrógrado, de modo as resistir às tentações do progresso retomando os princípios do monaquismo de São Bento: “a abadia volta a ser uma rocha [...] Eis porque as forjas, os celeiros construídos pelos cistercienses tem a majestade de suas igrejas: o celeiro, as forjas o claustro e a igreja são, com efeito, diferentes instrumentos de uma mesma função, de um mesmo ofício”. [7]
[1] BONNAISSE, Pierre. Liberdade
e servidão. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean Claude. Dicionário analítico do
Ocidente medieval. v.II, São Paulo:Unesp, 2017, p. 76
[2] LE GOFF, Jacques. A
civilização do Ocidente Medieval. Rio de Janeiro:Vozes, 2016, p. 209
[3] FRUGONI, Chiara.
Invenções da Idade Média, Rio de Janeiro:Zahar, 2007, p. 116; MUMFORD, Lewis. A
cidade na história, São Paulo:Martins Fontes, 1982, p. 283
[4] MURPHY, Tim Wallace. O
código secreto das catedrais. São Paulo:Pensamento, 2007, p. 152
[5] GIES, Frances & Joseph. Cathedral,
forge and water wheel, New York:Harper Collins, 1994, p.9
[6] GIES,
Frances & Joseph. Cathedral, forge and waterwheel, New York: Harper
Collins, 1994, p. 10
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