No mapa TO (Orbis Terrarum) mostrado em Etimologias de Isidoro de Sevilha toda a terra era descrita como um prato circular dividido por uma corrente de água em forma de T. O Oriente ficava no topo de modo a “orientar o mapa”. Por cima do T ficava a Ásia (com os descendentes de Sem bíblico, um dos três filhos de Noé). Europa (com os descendentes de Jafer / Jafé) e África (com os descendentes de Cam) ficavam separados pela barra que representava o Mediterrâneo. A denominação de Mediterrâneo viria apenas com Solino e seria adotada por Isidoro de Sevilla em Etimologias. Até então era conhecido como mare internum ou mare nostrum[1] o “nosso mar” tal como denominado pelos romanos no auge de seu império. A Europa e África eram separadam da Ásia pela barra horizontal que representava o Danúbio e o Nilo que supostamente seguiam uma linha contínua. O “mar Oceano” atual oceano Atlântico cercava todo o conjunto de terras conhecidas, ou ecúmena, todo o mundo habitado. No centro do mapa ficava Jerusalém: “Esta é Jerusalém, coloquei-a no meio das nações (na versão da Vulgata: umbiculus terrae – umbigo do mundo) e dos países que estão à volta dela” (Ezequiel 5:5). Entre os judeus Ezequiel também se refere a Jerusalém como o centro da terra ou umbigo do mundo (Ez 38:12, Ez 5:5). Isaías anuncia que na renovação da Criação Jerusalém será designada por um nome novo (Is 62:2). O Talmud é mais eloquente: “Como o umbigo está localizado no centro do homem assim Israel está no centro do mundo”.[2] Em 1095 quando da convocação da primeira cruzada, o monge Roberto narra os acontecimentos em torno da conquista de Jerusalém: “o umbigo do mundo, uma terra mais frutuosa do que qualquer outra, uma terra que é outro paraíso de delícias”.[3] Segundo Pedro Comestor no século XII: “Alguns dizem que este lugar Jerusalém é o umbigo da terra habitável, pois todos os anos, num certo dia de verão, ao meio dia, o Sol, desde a água do fundo de um poço, sem fazer sombra em lugar algum, fenômeno que os filósofos dizem aconterec em Siena”.[4] George Duby ao descrever a Europa do ano mil se refere a que “os homens desse tempo, os homens de grande cultura, que refletiam, que liam nos livros, imaginavam a terra plana. Um vasto disco sobre o qual abaulava a cúpula celeste, cercado pelo oceano. Na periferia, a noite. Povos estranhos, monstruosos, unípedes, homens lobo [...] Nesse mundo plano, circular, cercado de pavores, Jerusalém figura como o Centro. A esperança e todos os olhares voltam-se para o lugar onde o Cristo morreu, de onde o Cristo subiu aos céus”[5] Jean de Mandeville em 1366 relata ter visto próximo ao Santo Sepulcro: “Hic Deus rex noster ante asecula opratus est salutem in médio terrae” – “Este é o Rei de todos os séculos, operando a salvação no centro da terra”. Um comentário a este trecho, numa edição de 1485 em latim do livro de Mandeville descreve a possibilidade de que talvez a profecia se referia a posição espiritual de Jerusalém, sem qualquer sentido material ou espacial. [6]
[1] BOORSTIN, Daniel. Os
descobridores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1989, p.112
[2] BOORSTIN, Daniel. Os
descobridores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1989, p.104
[3] BOORSTIN, Daniel. Os
descobridores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1989, p.118
[4] RANDLES, W. Da Terra
plana ao globo terrestre, Campinas:Papirus, 1994, p. 18
[5] DUBY, George. A Europa na Idade Média, São Paulo: Martins Fontes, 1988, p.3
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