sábado, 3 de abril de 2021

Escravos artesãos

 

Antonil descreve os escravos: “entre os congos há alguns bastante industriosos e bons não somente para o serviço da cana, mas para as oficinas e para o meneio da casa. Melhores ainda são, para qualquer ofício, os mulatos”.[1] Antonil destaca que os negros de Luanda eram habilidosos e desejosos de ter uma profissão. No Serro Frio o negro livre Bernardo de Almeida trabalhava com tecidos e ao morrer tinham patrimônio avaliado em 8 mil cruzados.[2]  No século XVIII o mestre Aleijadinho com o agravamento de sua doença precisou do auxílio de escravos entre os quais Agostinho que executava as funções de entalhador. [3] Na seção de Avisos de jornais como Gazeta do Rio ou A idade do Ouro no Brasil anunciava-se a venda de escravos “que tinham alguma coisa de sapateiro”[4], ou então: “quem quiser comprar um negro de Angola, sapateiro, que corta e faz sapatos para senhora e também para homem, dirija-se ao recolhimento da Misericordia e fale com D. Luiza” (Gazeta do Rio, 1814, edição 13), “quem tiver um negro ferreir, e o quiser vender, fale na loja da gazeta, que se lhe dirá quem o quer comprar” (Gazeta do Rio, 1809, edição 65). Um censo de libertos realizado em Santana na Bahia em 1849 mostra que entre os escravos libertos apenas 18% tinham ocupações mais especializadas como carpina ("Carpina" tem origem no tupi karapina, uma variedade de pica-pau. O termo passou a ser aplicado também ao ofício de carpinteiro, por ambos trabalharem a madeira), pedreiro, sapateiro, alfaiate, que em geral remuneravam melhor em média quase o dobro de barbeiro, roceiro, acendedor de lampiões ou carregador de cadeira por exemplo.[5] Alguns destes libertos possuíam escravos como mostrou Inês de Oliveira que observou que numa amostra de 492 de libertos (1790-1890) na Bahia que deixaram testamento, possivelmente os mais abastados, cerca de 63% possuíam escravos.[6] No censo de Santana de 1849 entre os libertos foram registrados 22% com escravos, a grande maioria trabalhava com o auxílio de seu único escravo. A nagô Veridiana Maria de Lima vivia da renda proporcionada pelos seus oito escravos. Um dos participantes da revolta dos Malês em 1835 Luís Xavier é apontado como tendo oito escravos.[7] Segundo Inês de Oliveira “os ganhadores [escravos de ganho] gozavam de uma liberdade de movimentos muito mais ampla do que os escravos domésticos, submetidos à vigilância contínua direta dos senhores. Organizavam-se em grupos, os cantos, situados em locais previamente determinados pela municipalidade e geralmente com predominância de um grupo étnico”.[8] O escravo Joaquim Pinto de Oliveira conhecido pelo nome Tebas era mestre pedreiro especializado nos trabalhos em cantaria e arquitetura tendo realizado entre outras obras a fachada da antiga igreja do Mosteiro de São Bento e a construção do Chafariz da Misericórdia, o primeiro chafariz público da capital paulista, as partes frontais da igreja da Ordem Terceira do Carmo e da igreja das Chagas do Seráfico Pai São Francisco. Segundo José Jacyntho Ribeiro (Cronologia Paulista) Tebas era escravo de um cônego, pelo qual fora deixado livre, em testamento com a condição de concluir a obra da Sé Catedral de São Paulo [9].



[1] GOMES, Laurentino. Escravidão, v.I, São Paulo: Globo, 2019. p.232

[2] PRIORE, Mary del. Histórias da gente brasileira, v.1 Colônia.Rio de Janeiro:Leya, 2016, p. 102

[3]  BRAGA, Angela. O Aleijadino. São Paulo:Moderna, 1999, p. 29

[4] PRIORE, Mary del. Histórias da gente brasileira, v.1 Colônia.Rio de Janeiro:Leya, 2016, p. 168

[5] REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos malês em 1835, São Paulo: Cia das Letras, 2012, p. 369

[6] REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos malês em 1835, São Paulo: Cia das Letras, 2012, p. 267

[7] REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos malês em 1835, São Paulo: Cia das Letras, 2012, p. 488

[8] OLIVEIRA, Maria Inês Cortês. O liberto o seu mundo e os outros Salvador 1790-1890, Tese Mestrado Ciências Sociais, UFBA, 1979, p.57

[9] FERREIRA, Abilio. Tebas: Um Negro Arquiteto na São Paulo Escravocrata, São Paulo: IDEA, 2019 https://www.causp.gov.br/wp-content/uploads/2016/03/Livro-Tebas.pdf



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