sábado, 3 de abril de 2021

Engenho de açúcar precursor da fábrica moderna

 

Manoel Albuquerque observa que a divisão social do trabalho nos engenhos, sobretudo com as etapas especializadas conferiam à unidade social açucareira uma grande autosuficiência que fortalecida pela hierarquização entre senhores de engenho e escravos determinava uma falsa impressão de tratar-se de uma estrutura feudal[1]. A presença de uma divisão do trabalho no engenho de açúcar em tarefas tão especializados tornam o engenho, segundo Stuart Schwartz “precursor da fábrica moderna”[2] opinião compartilhada por Edgar Decca[3]. Do Engenho de Sergipe em 1572 há o registro de trabalhadores no engenho de açúcar como mestre do açúcar[4], ajudante do mestre, purgador, tacheiro, escumeiro, caldeireiro[5], moedora, prenseiro, virador de bagaço e caixeiro. Stuart Schwartz observa que “apesar de a coerção cruel ter estado sempre presente, as exigências da produção açucareira criaram a necessidade e a oportunidade de outros métodos de obtenção de trabalho, mesmo o especializado. Sem dúvida é verdade que trabalhadores livres tendiam a ocupar as funções que demandavam maior especialização nos engenhos, porém nunca chegaram a substituir completamente os escravos e, na verdade, em algumas propriedades os cativos realizavam todas as tarefas. A escravidão na grande lavoura mostrou-se menos rígida do que seus estudiosos muitas vezes a descreveram”.[6] Afonso de Taunay escreve em 1884: “Em muitas fazendas cessara o escravo ser o operário único. Trabalhadores livres apareciam cuidando de serviços diversos, sobretudo os mais difíceis. Uns eram pedreiros e carpinteiros, outros pedreiros e canteiros, outros ainda, maquinistas. E os fazendeiros verificavam os bons resultados deste trabalho, aparentemente mais elevado, mas incontestavelmente melhor e mais seguro”.[7] Para Marcos Costa: “O açúcar foi um dos primeiros produtos industrializados em grande escala na história do mundo moderno. A sua produção envolvia uma sofisticada racionalização do trabalho, levado a cabo por máquinas modernas que implicavam até então inédita transformação da natureza. Fora o trabalho escravo, todos os requisitos da Revolução Industrial estavam ali presentes. O capitalismo, o liberalismo econômico, o livro comércio e todas as teorias surgidas nos séculos XVI e XVII tiveram como grande laboratório e como vertente o Brasil”.[8] Esta especialização não viria a meramente atender uma demanda tecnológica, mas ao contrário, seria determinada no sentido de garantir o controle do processo de produção pelo feitor. Segundo Alice Canabrava: “não se tratava apenas da elaboração de uma técnica de controle da rentabilidade do trabalho escravo, adaptada à sua mentalidade rudimentar, mas visava também vencer sua resistência passiva com respeito às tarefas impostas”.[9]



[1] ALBUQUERQUE, Manoel Maurício. Pequena história da formação social brasileira, Rio de Janeiro: Graal, 1981, p. 57

[2] SCHWARTZ, Stuart. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial. São Paulo: Cia das Letras, 1988, p. 138

[3] DECCA, Edgar de. O nascimento das fábricas, Coleção Tudo é história, n° 51 São Paulo:Brasiliense, 1986, p.10

[4] CAMPOS, Raymundo. Grandezas do Brasil no tempo de Antonil, São Paulo:Atual Editora, 1996, p. 30

[5] SCHWARTZ, Stuart. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial. São Paulo: Cia das Letras, 1988, p. 132

[6] SCHWARTZ, Stuart. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial. São Paulo: Cia das Letras, 1988, p. 121

[7] SPINDEL, Cheywa Rojza. Homens e máquinas na transição de uma economia cafeeira. Rio de Janeiro:Paz e Terra, 1980, p. 86

[8] COSTA, Marcos. O livro obscuro do descobrimento do Brasi, Rio de Janeiro:Leya, 2019, p. 303

[9] DECCA, Edgar de. O nascimento das fábricas, Coleção Tudo é história, n° 51 São Paulo:Brasiliense, 1986, p.57



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