quarta-feira, 21 de abril de 2021

A pureza de sangue

 

José Valladares [1] mostra a confusão terminológica nos textos do Brasil colonial entre confrarias e corporações. Um carpinteiro poderia se filiar a Irmandade de São José e também a outras Irmandades como a de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos ou à Irmandade de Nossa Senhora do Livramento. Nos registros de entrada de seus associados encontram-se homens, mulheres, brancos, negros e mestiços, livres, escravos ou forros. Mesmo aqueles que não exerciam os quatro ofícios eram admitidos em seus quadros. Para praticar a profissão de ourives era preciso uma declaração de “sangue limpo”. [2] Charles Boxer observa que tanto nos documentos oficiais portugueses como na correspondência privada até o século XVIII era muito comum a referência “pureza de sangue” e a “raças infectas”, no entanto, Edgar Prestage observa em estudo publicado em 1923: “É motivo de consideração o fato de Portugal, à exceção dos escravos e dos judeus, não fazer qualquer distinção de raça ou cor e todos os seus súditos, logo que convertidos ao catolicismo, serem elegíveis para postos oficiais”.[3] Russel Wood mostra que em seu conceito do Portugal do século XV a pureza de sangue se referia á pureza religiosa, “não corrompido” por uma ascendência judaica ou moura. No Brasil colônia o conceito foi expandido para incluir pessoas de descendência africana. Mesmo Portugal na época tendo muitos escravos, esse conceito era desconhecido na metrópole: “a questão racial não constituía uma grande preocupação no Portugal do século XV, nem havia se estabelecido uma conexão entre negros e escravidão”.[4] Os estatutos da Ordem Terceira de Mariana em Minas Gerais estipulava em 1723 que qualquer indivíduo que quisesse entrar na Ordem “deveria ser de nascimento branco legítimo, sem qualquer boato ou insinuação de sangue judeu, mourisco ou mulato, ou de Carijó ou de qualquer outra raça contaminada”.[5] Em 1749 um candidato à Ordem Terceira de São Francisco na Bahia (na figura) garantiu diante de cinco testemunhas “que era de indubitável brancura e inquestionavelmente um cristão velho, puro de sangue sem sangue de judeu, mouro, mourisco, mulato ou qualquer outra nação infectada daqueles proibidos por nossa Sagrada Fé Católica”.[6] A Ordem dos Carmelitas descalços de Santa Teresa criada em 1686 em Olinda não admitia qualquer noviço nascido no Brasil por mais “puro” que fosse seu sangue.[7] Charles Boxer mostra com Pombal disseminam-se as medidas antirracistas de modo que, por exemplo, na Casa de Misericórdia da Bahia os preconceitos contra origem cristã nova enfraqueceram-se consideravelmente ente 1730 e 1774. [8]

[1] VALLADARES, José Gisella. As artes plásticas no Brasil: Ourivesaria, Rio de Janeiro:Ediouro, 1952, https://archive.org/stream/OurivesariaNoBrasil/JValladaresAOurivesaria_djvu.txt

[2] BARDI, Pietro. Arte da prata no Brasil, São Paulo: Banco Sudameris, 1979, p. 20

[2] BOXER, Charles. O império colonial português, Lisboa: Edições 70, 1969, p. 242, 252

[4] RUSSEL WOOD, A. Histórias do Atlântico português, São Paulo: UNESP, 2021, p. 57

[5] BOXER, Charles. O império colonial português, Lisboa: Edições 70, 1969, p. 281

[6] RUSSEL WOOD, A. Histórias do Atlântico português, São Paulo: UNESP, 2021, p. 69

[7] BOXER, Charles. O império colonial português, Lisboa: Edições 70, 1969, p. 252

[8] BOXER, Charles. O império colonial português, Lisboa: Edições 70, 1969, p. 282



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