quarta-feira, 21 de abril de 2021

A origem da América

 

Para Álvaro Pimpão “não encontrar fatos cartográficos e econômicos valiosos para a época não nos dá o direito de supor que foram obrigados a omiti-los”[1], no entanto, em 1504 D. Manuel proibia que as cartas náuticas registrassem qualquer indicação além das ilhas de S. Tomé e Príncipe[2]. A saída de documentos cartográficos para o estrangeiro era passível de pena de morte conforme descrito numa carta de 1501. [3]Um reflexo desta política de segredo nas navegações foi a carta da Pero Vaz de Caminha mantida em segredo na Torre do Tombo por três séculos.[4] O mapa/planisfério de Cantino de 1502 que mostra o Brasil e a linha de Tordesilhas foi mantido em sigilo e descoberto casualmente pelo diretor da Biblioteca Estense de Modena no forro de uma salsicharia em 1859.[5] A carta náutica mostra copiado possivelmente por um espião italiano de um original português  mostra uma descrição bastante precisa da costa africana em especial da costa ocidental a norte do rio Congo.[6] Um agente italiano, depois do regresso de Pedro Álvares Cabral da Índia em 1500 queixava-se “È impossível obter uma carta de viagem, porque o rei decretou a pena de morte para quem mandasse alguma para o estrangeiro”.[7] A cartografia era a arma secreta dos príncipes. No século XVI João Frederico recusou-se a publicar o mapa da Saxônia mesmo estando no centro da Europa e não alguma região distante da Europa.[8] Outro reflexo do segredo da cartografia portuguesa pode-se observar na própria denominação do novo continente. O geógrafo alemão Martinho Waltzmuller ou Martin Waldseemuller, a quem Humboldt chama de “homem obscuro” publicara em 1507 o livro Cosmographiae Introductio (“Introdução à Cosmografia”)[9] em que pela primeira vez o novo continente aparece designado como América com base nas cartas de Américo Vespúcio, ou seja, o excesso de zelo na preservação do segredo acabou transferindo a honra de batizar o continente a um geógrafo alemão que jamais esteve na América: “Hoje, essas partes do mundo – Europa, África e Ásia – foram mais plenamente exploradas, e uma quarta parte foi descoberta por Américo Vespúcio, como se pode ver nos mapas anexos. E, como Europa e Ásia receberam nomes de mulheres, não vejo razão para não chamar esta outra parte de Amerige, isto é, a terra de Amérigo, ou América, em honra do sábio que a descobriu”. [10] Em 1516 o humanista italiano Pedro Mártir de Angleria publicou De orbe novo (Sobre o Novo Mundo) em que pela primeira vez se refere à América como “Novo mundo”. [11]

[1] ALVES, Daniel Vecchio. Reconsiderações Historiográficas sobre a Teoria do Sigilo de Jaime Cortesão. Revista Expedições, Morrinhos/GO, v. 9, n. 3, mai./ago. 2018

[2] VASCONCELLOS, Ernesto; GAMEIRO, Alfredo; MALHEIROS, Carlos. In: História da Colonização Portuguesa no Brasil, Edição Monumental Comemorativa do Centenário de Independência do Brasil, Porto, Litografia Nacional, 1921, Primeira Parte: O descobrimento, V.1 Os precursores de Cabral, p. CXXVI

[3] VASCONCELLOS, Ernesto; GAMEIRO, Alfredo; MALHEIROS, Carlos. In: História da Colonização Portuguesa no Brasil, Edição Monumental Comemorativa do Centenário de Independência do Brasil, Porto, Litografia Nacional, 1921, Primeira Parte: O descobrimento, V.1 Os precursores de Cabral, p. CXXVII

[4] GOMES, Laurentino. Escravidão, v.I, São Paulo: Globo, 2019. p.111

[5] BARDI, Pietro, O ouro no Brasil, São Paulo:Banco Sudameris, 1988, p. 11

[6] BOXER, Charles. O império colonial português, Lisboa: Edições 70, 1969, p. 50

[7] BOORSTIN, Daniel. Os descobridores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1989, p.250

[8] MOUSNIER, Roland. Os séculos XVI e XVII. Tomo IV, 2° volume, História Geral das Civilizações, São Paulo:Difusão, 1957, p. 20

[9] https://ensinarhistoriajoelza.com.br/linha-do-tempo/surge-o-nome-america-para-o-novo-continente/ - Blog: Ensinar História - Joelza Ester Domingues

[10] VASCONCELLOS, Ernesto; GAMEIRO, Alfredo; MALHEIROS, Carlos. In: História da Colonização Portuguesa no Brasil, Edição Monumental Comemorativa do Centenário de Independência do Brasil, Porto, Litografia Nacional, 1921, Primeira Parte: O descobrimento, V.1 Os precursores de Cabral, p. CXXI

[11] RUSSEL WOOD, A. Histórias do Atlântico português, São Paulo: Unesp, 2021, p. 21



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