Aaron Gourevitch observa que no ambiente medieval, os
valores cristãos tal como pregado pela Igreja não fomentavam a individualidade,
pelo contrário: “a exigência religiosa da
humildade, arrependimento, expiação, a condenação da originalidade individual
na qual se via uma fonte de orgulho, tantos fatores incitavam o indivíduo a se
exprimir ou sob a forma paradoxal da renúncia de si ou da automortificação
[...] mesmo quando uma personalidade não é esmagada pelo peso da religião e do
sentimento de culpa que dele decorre, tais conflitos impedem-no de se afirmar,
a não ser sob formas que nos parecem pertencer à psicopatologia”.[1] Alberto
Mangel observa que até o século X a regra era leitura em voz alta. Na Grécia
Heródoto lia suas obras em público nos festivais olímpicos. [2] Em Roma
no século V Apolinário Sidônio lia suas poesias em público. No século IV
Agostinho em Confissões relata com
certa estranheza a forma de ler silenciosa do bispo Ambrósio. Para Agostinho
ler era uma habilidade oral. O hebreu e o aramaico usam a mesma palavra para o
ato de ler e o ato de falar. Entre os árabes a regra tal como descrita por Abu
Hamid al Ghazali no século XII era de ler o Corão “alto o
suficiente para que o leitor o escutasse, porque ler significa distinguir entre
os sons”. A leitura silenciosa, introspectiva, que permite uma maior
reflexão do texto lido, se consolida nos mosteiros medievais[3] na
medida em que o conceito de individualidade se dissemina na cultura. Os
primeiros regulamentos recomendam aos escribas manterem o silêncio no scriptorium datam do século IX.[4] Georges
Duby destaca que os laicos no século XV oram como outrora somente os monges
oravam, como se observa no livro de orações Très Riches Heures encontrado
na biblioteca de Carlos V, através de uma leitura “que se torna silenciosa,
pessoal, como a oração”.[5] Robert Fossier, contudo, observa que as ricas
iluminuras como as Très riches heures
de Jean duc de Berry de 1410 estavam longe do alcance de um público mas amplo
sendo objeto restrito a colecionadores.[6]
[1] GOUREVITCH, Aaron. Indivíduo. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean Claude. Dicionário analítico do
Ocidente medieval. v.I, São Paulo:Unesp, 2017, p. 700
[2] MANGUEL, Alberto. Uma
história da leitura, São Paulo: Cia das Letras, 1997, p. 283
[3] COSTA, Ricardo da;
VENTORIM, Eliane; FILHO, Orlando Paes. Monges medievais, São Paulo:Planeta,
2004, p.25
[4] MANGUEL, Alberto. Uma
história da leitura, São Paulo: Cia das Letras, 1997, p. 58, 67
[5] DUBY, Georges, A Europa na Idade Média, São Paulo: Martins Fontes, 1988, p. 124
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