O ministro Luiz Galotti na posse de Gonçalves de Oliveira na presidência do STF, no dia 12 de dezembro de 1968 (véspera do AI-5), cita episódio do império:
“O gabinete [do marquês de] Olinda, sendo o visconde de Sinimbu ministro da Justiça, aposentou em 1863 quatro juízes do Tribunal: Gustavo Adolfo de Aguiar Pantoja[1], Tiburcio Valeriano da Silva Tavares [2], Cornélio Ferreira França [3] e José Antônio de Siqueira e Silva [4]. Informa Pedro Calmon, em O Rei Filósofo, que o fato decorreu de queixas formuladas a D. Pedro II pela condessa de Barral, que se dizia prejudicada na herança do sogro, e culpando aqueles juízes. Carneiro de Campos, o senador Dantas, e Silva da Motta atacaram a medida por contrária à Constituição. Defenderam-na Francisco Otaviano e Zacarias. Monserrate protestou, demitindo-se da presidência. Os advogados, à frente Ferreira Vianna, lhe ofereceram uma coroa de louros, que hoje se encontra no Instituto Histórico da Bahia, terra do seu nascimento” [6]
A medida era inconstitucional pois a Constituição de 1824 não permitia que o imperador aposentasse quatro ministros do Supremo Tribunal – muito menos dava esse poder ao ministro da Justiça, muito menos quando não havia prova alguma contra eles. O monarquista Pedro Calmon não nega o caso:
“Por que aposentou, com violência, acima da lei, ministros do Supremo Tribunal de Justiça, num escândalo administrativo que enervou o país? Por íntima convicção: o conde de Barral, esposo da preceptora de suas filhas, a espiritual senhora de Barral e Pedra Branca – queixara-se, ao partir para a Europa, que parte da herança do sogro ficara nas engrenagens do foro, comida por juízes fáceis… Hein? Abriria inquérito… Viu que isso não produziria nenhum resultado. Já, noutra feita, justificando semelhantes aposentadorias disciplinares, Nabuco de Araújo confessara, que nunca se provam acusações assim… Então, furioso, impusera ao ministério o decreto corretivo, que arrancava à nobreza das togas o melhor privilégio, a intangibilidade. O ministério aprovou. Resistiu, com uma impávida teimosia, o presidente da corte, Monserrate, velhinho e irredutível, estadista da lndependência e como enfibrado de aço, que preferiu demitir-se, a ceder. Foi, pelo povo, pela oposição, homenageado, com uma coroa de louros. D. Pedro II conservou-se mudo. Não explicava, não falava mais, não retrocedia, como se o lápis azul, o ‘fatídico’, lhe tivesse traçado, no seu papel de rei, uma fronteira sagrada” (cf. Pedro Calmon, O Rei Filósofo, CEN, 1938, pp. 123-124).
Quando o Tribunal se reuniu, em começos de 1864, seu presidente, o barão de Monserrate, recusou o decreto que aposentava os quatro ministros e devolveu-o ao governo. Porém, o novo ministro da Justiça, Zacarias de Góis e Vasconcellos, manteve o ato, com o seguinte fundamento:
“Não sendo admissível que um tribunal de tal ordem continuasse a dar tão perigoso exemplo, resolveu o governo imperial, por aviso de 4 de fevereiro deste ano, fazer sentir ao conselheiro, Barão de Monserrate, presidente do mesmo tribunal, o dever de, por sua parte, fielmente executar os mencionados decretos, negando assento aos aposentados, sob sua responsabilidade. Recusando-se o mesmo presidente a satisfazer as ordens do governo imperial solicitou em 4 do referido mês sua exoneração que foi aceita” (cf. Relatório do Ministério da Justiça do ano de 1863, Império do Brasil, p. 8).
Um dos atingidos o conselheiro Cornelio Ferreira França (na figura) aposentado aposentado em decreto de 30 de dezembro de 1863 escreve no jornal em 12 de janeiro de 1864:
“Acabo de saber que por decreto de 30 de Dezembro passado fui aposentado no lugar de ministro do Supremo Tribunal de Justiça que exercia; com o fundamento de conveniência de serviço, que é o mesmo que dizer por prevaricação, nódoa que até hoje ainda ninguém me lançou, e que, para me ser lançada, estava reservada para o Sr. João Vieira Lins Cansanção de Sinimbu, atual ministro da justiça do partido liberal ou progressista. Declaro que protesto contra este ato, e rejeito uma tal aposentadoria, como ilegal e contrária à independência do poder judicial, e vitaliciedade de seus membros, por ser contra os arts. 151, 153 e 155 da Constituição, os quais estabelecem que o poder judicial é independente, que os juízes de direito são perpétuos, e que só por sentença poderão perder o lugar. Espero que o corpo legislativo, que é superior ao Sr. ministro, não aprovará este ato arbitrário, violento e ilegal; e me reservo para em tempo competente (se me parecer) dar a minha denúncia de responsabilidade contra este ministro da justiça prevaricador e infrator da Constituição, porque deve ficar certo o Sr. conselheiro Cansanção que a pecha de prevaricação não é atributo só próprio dos magistrados, e sim também de ministros de estado e outros altos funcionários".
Octaciano Nogueira se refere que esta não foi a única aposentadoria compulsória no STF no Império. "A prática constitucional em relação ao Poder Judiciário, porém, mostrou que, mesmo as garantias expressamente ressalvadas, jamais foram respeitadas, quando o impôs o interesse da administração. O mais notório dos casos de violação do preceito da vitaliciedade ocorreu durante o Ministério da Conciliação, presidido pelo Marquês de Paraná, entre 1853 e 1856, quando era Ministro da Justiça Nabuco de Araújo. O fato ficou conhecido na biografia de Joaquim Nabuco sobre seu pai, o Conselheiro Nabuco de Araújo, como o “desembarque de Serinhaem”, e consistiu na aposentadoria de dois e na transferência de um terceiro juiz da Relação de Pernambuco, por terem, em julgamento da violação da lei que puniu e suspendeu o tráfico, em 1850, absolvido réus importantes da Província que o Governo entendia culpados por conivência e omissão num desembarque clandestino de africanos ocorrido em Serinhaem. Isso mostra que o Executivo não só se arrogava o direito de discutir a justiça das decisões do Judiciário, como também estava disposto a punir todos aqueles que, no seu exclusivo juízo, agissem em desacordo com suas crenças. Não se pode dizer, ante tal realidade e ante o poder expressamente concedido ao Imperador, pela própria Constituição, de decretar aposentadorias compulsórias e transferências de magistrados vitalícios, que o Judiciário do Império fosse efetivamente um poder independente. Nabuco chegou a ser denunciado na Câmara por haver referendado o ato do Imperador. Mas, como ele mesmo lembrou em sua defesa, antes dele o próprio Marquês do Paraná havia aposentado outros magistrados e a Câmara aprovara o ato. Essas, no entanto, não foram as únicas aposentadorias forçadas sob a Constituição de 1824. Depois de Nabuco, José Lins Vieira Cansanção de Sinimbu, o Visconde de Sinimbu, como Ministro da Justiça, aplicou o mesmo remédio amargo contra o Supremo Tribunal de Justiça, aposentando vários de seus membros, por decreto que tem a data de 30 de dezembro de 1863, isto é, seis anos depois do ato de Nabuco. É bem verdade que o decreto provocou intensa polêmica. Alegava-se que o Supremo Tribunal de Justiça não acataria o ato do Executivo, e no Senado foi tão intensa a reação que os conservadores aconselhavam a desobediência ao decreto do Governo, o que, de fato, terminou não ocorrendo". [5]
[1] http://www.stf.jus.br/portal/ministro/verMinistro.asp?periodo=stj&id=287
[2] http://www.stf.jus.br/portal/ministro/verMinistro.asp?periodo=stj&id=290
[3] http://www.stf.jus.br/portal/ministro/verMinistro.asp?periodo=stj&id=281
[4] http://www.stf.jus.br/portal/ministro/verMinistro.asp?periodo=stj&id=276
[5] Nogueira, Octaciano 1824 , Brasília : Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2012 https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/137569/Constituicoes_Brasileiras_v1_1824.pdf
[6] Correio da Manhã, 13/12/1968, primeira página). http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=089842_07&pagfis=98181&url=http://memoria.bn.br/docreader#
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