quinta-feira, 18 de março de 2021

O futuro através do fígado na Roma Antiga

 

Os augures detinham o segredo dos auspícios, que era transmitido oralmente ao seus sucessores.[1] Segundo Tito Lívio os reis romanos eram escolhidos e depois de aceitos pelos deuses, conforme sinais emitidos pelos augures, de modo que o rei era “inaugurado”.[2] Mario Giordani distingue entre os harúspices encarregados de se conhecer a aprovação ou reprovação dos deuses em relação a certas decisões e os augures, mais populares, e capazes de previsões sobre o futuro.[3] O crítico Catão no século II a.c. declarava ironicamente sua admiração por um harúspice encarar ooutro sem rir conforme revela Cícero em De divinatione 3,24 “Se mirari quod non rideret haruspex, haruspicem cum vidisset” o que reval o desprestígio predominante na época.[4] Entre os etruscos a inspeção dos fígados pelos harúspices permitiam pressagiar o futuro e indicar a conduta a ser seguida pelos homens[5]. O Fígado de Piacenza[6] datado do século II a.c. é um artefato etrusco encontrado em 1877 na Itália[7]. É um modelo de bronze em tamanho natural de um fígado de carneiro coberto com escritos etruscos que mostra os nomes dos deuses que presidem cada um dos diferentes compartimentos[8] servindo como guia para interpretação dos órgãos das vítimas[9]. O modelo é um autêntico microcosmo e guarda muita semelhança com atlas mágicos do fígado usados alguns séculos antes pelos babilônios[10]. Nougayrol confirma as relações dos auríspices etruscos com os assírios babilônios.[11] George Sarton observa que os haurispices babilônicos dessem nomes especiais a cada parte do fígado isso não os tornava conhecedores de anatomia[12]. A osteomancia realizava suas profecias a partir da leitura dos ossos de animais sacrificados como por exemplo o omoplata de um carneiro. Os osteomantes dividiam o osso em doze áreas ou casas cada uma das quais associada a um diferente aspecto do futuro, de modo que um osso claro e liso indicava um bom presságio.[13] Segundo Mario Giordani: “os etruscos preocupavam-se, sobretudo, com a interpretação o sentido e do valor dos fenômenos naturais, pretendendo descobrir nos mesmos a expressão de uma potência divina que atuava no cosmos, tornando conhecidas suas exigências e anunciando o futuro”.[14]

[1] MATTOSO, Antonio. História da civilização, Lisboa:Ed Sá da Costa, 1952, p.395

[2] CORNELL, Tim; MATTHEWS, John. Roma: legado de um império, v. I, Lisboa:Edições del Prado, 1996, p. 18

[3] GIORDANI, Mario Curtis. História de Roma, Rio de Janeiro:Vozes, 1981, p. 300

[4] GIORDANI, Mario Curtis. História de Roma, Rio de Janeiro:Vozes, 1981, p. 300

[5] BLOCH, Raymond; COUSIN, Jean. Roma e o seu destino. Rio de Janeiro:Cosmos, 1964, p.17

[6] https://pt.wikipedia.org/wiki/F%C3%ADgado_de_Plac%C3%AAncia

[7] BLOCH, Raymond. Os etruscos. Lisboa: Editorial Verbo, 1970, p.60

[8] BLOCH, Raymond; COUSIN, Jean. Roma e o seu destino. Rio de Janeiro:Cosmos, 1964, p.25

[9] BEARD, Mary. SPQR: uma história da Roma Antiga, São Paulo: Planeta, 2010, p. 112

[10] ABRIL Cultural, Medicina e Saúde. História da Medicina, v.I, São Paulo, 1970, p. 15

[11] TATON, René. A ciência antiga e medieval, tomo I, livro 2, Sâo Paulo:Difusão Europeia, 1959, p. 101

[12] SARTON, George. Ancient Science Through the Golden Age of Greece, New York:Dover, 1980, p.92

[13] BOORSTIN, Daniel. Os descobridores, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1989, p. 29

[14] GIORDANI, Mario Curtis. História de Roma, Rio de Janeiro:Vozes, 1981, p. 282



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Doação de Constantino

  Marc Bloch observa a ocorrência de falsificações piedosas tais como a pseudo doação de Constantino ( Constitutum Donatio Constantini ) ao ...