sexta-feira, 5 de março de 2021

Depoimento de um índio do início do século XVII

 

No Maranhão[1] o padre capuchinho Claude d'Abbeville testemunhou em 1612, o discurso de um ancião indígena que questionava as iniciativas dos franceses. Esse índio, de nome Momboré-uaçu, discursou na ocasião para todos os principais morubixabas Tupinambá reunidos na aldeia de Assauap: “Vi a chegada dos péro [portugueses] em Pernambuco e Potiú; e começaram eles como vós, franceses, fazeis agora. De início, os peró não faziam senão traficar sem pretenderem fixar residência. Nessa época, dormiam livremente com as raparigas, o que os nossos companheiros de Pernambuco reputavam grandemente honroso. Mais tarde, disseram que nos devíamos acostumar a eles e que precisavam construir fortalezas, para se defenderem, e edificar cidades para morarem conosco. E assim parecia que desejavam que constituíssemos uma só nação. Depois, começaram a dizer que não podiam tomar as raparigas sem mais aquela, que Deus somente lhes permitia possuí-las por meio do casamento e que eles não podiam casar sem que elas fossem batizadas. E para isso eram necessários paí [sacerdotes]. Mandaram vir os paí; e estes ergueram cruzes e principiaram a instruir os nossos e a batizá-los. Mais tarde afirmaram que nem eles nem os paí podiam viver sem escravos para os servirem e por eles trabalharem. E, assim, se viram constrangidos os nossos a fornecer-lhos. Mas não satisfeitos com os escravos capturados na guerra, quiseram também os filhos dos nossos e acabaram escravizando toda a nação; e com tal tirania e crueldade a trataram, que os que ficaram livres foram, como nós, forçados a deixar a região. Não creio, entretanto, que tenhais [vós os franceses]  o mesmo fito dos peró [portugueses]; aliás, isso não me atemoriza, pois velho como estou, nada mais temo. Digo apenas simplesmente o que vi com meus olhos”.[2]



[1] MAESTRI, Mario. Terra do Brasil: a conquista lusitana e o genocídio Tupinambá, São Paulo: Moderna, 1993, p. 86

[2] http://ead2.fgv.br/ls5/centro_rec/pag/comentarios/contatos_povos_indigenas_invasores_coloniais_1.htm



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