domingo, 14 de março de 2021

A bússola e o surgimento da ciência em Portugal

 

Buscando proteger a bússola de eventuais ataques supersticiosos de marinheiros que acreditavam nos poderes de bruxaria do instrumento[1], os comandantes foram levados a proteger a bússola em bitáculas, um cilindro de madeira usando para acondicionar a bússola do navio. Segundo Kirkpatrick em espanhol brújula deriva de uma mistura do italiano bussola e do murciano brujeria (bruxaria).[2] Ainda no tempo de Colombo um piloto que usasse a bússola poderia ser acusado de comércio com satanás, embora ele próprio e navegadores experientes como Fernão de Magalhães tivessem várias bússolas a bordo.[3] Colombo teria inclusive percebido o fenômeno da declinação da agulha de marear anotando o fenômeno nos diários da primeira e da terceira viagem na qual a posição do Norte variava em função do meridiano em que se dava a observação, muito embora Luís de Albuquerque conclua que se trata de fenômeno já conhecido de pilotos portugueses.[4] No Tratado da agulha de marear de João de Lisboa é descrita uma relação simples, embora equivocada, entre a declinação magnética e a latitude, o que mostra a tentativa de extrair uma formulação científica a partir das observações dos pilotos navegadores. O livro teve grande repercussão entre os pilotos portugueses o que se explica pelo grande interesse dos cosmógrafos e pilotos em encontrar um processo reprodutível para determinação no mar da longitude baseado na declinação magnética da bússola. O cosmógrafo castelhano  Alonso de Santa Cruz  no Libro de las longitudes impresso no início do século XVI se refere ao método de João de Lisboa embora não o cite nominalmente. João Castro irá demonstrar a falta de consistência da relação entre declinação magnética para cálculo de longitude, no entanto, Luís de Albuquerque conclui: “a despeito destes valiosos resultados, que situam castro como um verdadeiro experimentador, cumpre dizer que também na sua obra encara várias vezes o magnetismo terrestre com claras limitações”.[5]

[1] BOORSTIN, Daniel. Os descobridores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1989, p.157

[2] AQUINO, Fernando, Gilberto, Hiran. Sociedade brasileira: uma história, São Paulo: Record, 2000, p.81

[3] BOORSTIN, Daniel. Os descobridores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1989, p.209

[4] ALBUQUERQUE, Luis. Ciência e experiência nos descobrimentos portugueses, Lisboa: Biblioteca Breve, 1983, p.89

[5] ALBUQUERQUE, Luis. Ciência e experiência nos descobrimentos portugueses, Lisboa: Biblioteca Breve, 1983, p.100



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Doação de Constantino

  Marc Bloch observa a ocorrência de falsificações piedosas tais como a pseudo doação de Constantino ( Constitutum Donatio Constantini ) ao ...