domingo, 28 de fevereiro de 2021

Triaga Brasilica

 

Os missionários jesuítas cultivavam plantas medicinais e faziam a manipulação de medicamentos. A triaga brasílica, composta por elementos da flora nativa  ganhou fama internacional devido á difusão pelos jesuítas do medicamento.[1] Bruno Leite argumenta que os jesuítas, formados na tradição escolástica e embuídos da influência humanista, como destacam François Dainville e Serafim Leite, souberam agregar novos conhecimentos que levaram ao desenvolvimento da triaga brasílica que, desta forma, não pode ser entendida como a mera reprodução de conhecimentos indígenas e tampouco o resultado de um empirismo puro da parte dos jesuítas. A Triaga Brasílica era uma versão atual da antiga Teriaca / Teriaga / Theriaga inventada pelo médico pessoal do imperador Nero, Andrômaco, difundida por Galeno e lembrada por Avicena no seu Canon. Contudo, muitos dos ingredientes do remédio não erm descritos de forma precisa no poema de Andrômaco e nos cometários de Galeno o que suscitou a busca de equivalentes pelas boticas europeias, de modo que dentro desta perspectiva, os jesuítas buscaram substituições na flora brasileira entre as quais o jaborandi, a pagimirioba, a ipecacuanha, a angélica, a pindaíba e o bálsamo. O padre Serafim Leite, nos seus estudos sobre a ordem jesuítica no Brasil, encontrou, nos arquivos da Companhia de Jesus em Roma o manuscrito de 1766, Colleção de várias receitas e segredos particulares das principaes boticas da nossa Companhia de Portugal, da India, de Macao, e do Brazil, que descreve a fórmula original da triaga brasílica do Colégio dos jesuítas da Bahia. Segundo Bruno Leite: “A criação (inventio) do novo medicamento pelos jesuítas dependeu inteiramente da tradição médica, fortemente humanista, que eles haviam trazido consigo da cultura dos médicos europeus. O nome do remédio, os ares de sua composição e as tonalidades de seus ingredientes comprovam isto. Mas, por outro lado, esta invenção não foi serva da tradição, na medida em que estes elaboraram uma nova lista de ingredientes que fosse mais condizente com os problemas e as necessidades vividas pelos jesuítas no Brasil”.[2] Segundo Lourival Ribeiro no livro Medicina no Brasil Colonial: “A triaga Brasílica é um atídoto ou panaceia composta à imitação da Triaga de Roma e de Veneza, de várias plantas e ervas, raízes e drogas do Brasil” com inúmeras aplicações no tratamento contra venenos de animais peçonhentos, dores no estômago, cólicas, estancar sangramentos, dores de cabeça e febres malignas diversas. Para Wilson Martins: “A Triaga Brasilica representa o triunfo final da flora brasiliense na farmacopeia universal, desde o título, o milagroso produto proclama com orgulho suas origens e acentuava-se na sua bula superior ao da Europa[3]. Quando do sequestro dos bens dos jesuítas expulsos do Brasil em 1760, o desembargador responsável afirmou que haveria na cidade quem oferecesse quatro mil cruzados pela fórmula triaga brasílica, medicamento produzido pelos jesuítas e mantido em segredo. Um documento de 1766 mantido nos arquivos da Companhia de Jesus revela as preocupações de se manter a propriedade intelectual de remédios produzidos pelos jesuítas: “Amigo e caríssimo leitor, não fiz esta coleção de receitas particulares de nossa botica senão para que  se não perdessem tão bons segredos e estes não andassem espalhados por todas as mãos,  pois bem sabes, que revelados estes,  ainda que seja de uma botica para outra, perdem toda a estimação: e que pelo contrário o mesmo é estar em segredo qualquer receita experimentada, que fazerem dela todos um grande apreço, e estima com fama, e lucro considerável da botica a que pertence. Pelo que peço-te que sejas muito acautelado e escrupuloso em não revelar alguns destes segredos, pois em consequência não se pode fazer, advertindo que são coisas estas da religião, e não tuas”.[4] Os remédios secretos foram ainda mais perseguidos com a criação da Junta do Protomedicato em 1782 no reinado de Maria I.[5]

[1] EDLER, Flavio Coelho. Boticas & Pharmacias: uma história ilustrada da farmácia no Brasil, Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2006, p. 17

[2] LEITE, Bruno Martins Boto. Mezinhas antigas e modernas: A invenção da Triaga Brasílica pelos jesuítas do Colégio da Bahia no período colonial. https://www.13snhct.sbhc.org.br/resources/anais/10/1345053666_ARQUIVO_Mezinhasantigasemodernas.pdf

[3] MARTINS, Wilson. História da inteligência brasileira, v.I (1550-1794), São Paulo:USP, 1976, p. 244, 246

[4] EDLER, Flavio Coelho. Boticas & Pharmacias: uma história ilustrada da farmácia no Brasil, Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2006, p. 33

[5] EDLER, Flavio Coelho. Boticas & Pharmacias: uma história ilustrada da farmácia no Brasil, Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2006, p. 41



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