sábado, 6 de fevereiro de 2021

Roger Bacon e as artes práticas

 

Em Opus maius Roger Bacon escreve: “aprendi muitas coisas, e coisas muito importantes, com homens extremamente simples, coisas que não pude aprender de todos os meus mestres”[1] numa crítica à filosofia escolástica das universidades que se fechava em si mesmo. Para Franco Alessio, Roger Bacon ultrapassa a escolástica que conhecera em Paris: “fundada sobre o orgulho, dominada por mestres que se erigem em autoridades frágeis e ilegítimas baseadas em textos corrompidos pelas traduções, a escolástica é envenenada pelos males, erros e vícios que governam como déspotas um mundo radicalmente degradado [...] Os matemáticos euclidianos, excluídos pela escolástica, serão recolocados no centro e se tornarão a porta e a chave de todas as ciências. Em cada uma das ciências, a ciência das experiências scientia experimentorum produzirá resultados que abalarão o mundo”.[2] Segundo Tulio Gregory “a ênfase posta na ciência experimental conjuga-se, em Roger Bacon, com uma defesa do trabalho manual e com a exigência de ampliar o mundo dos conhecimentos científicos (da astrologia às ciências mágicas fundadas em forças naturais e não demoníacas) é que essas formas de saber operatório condicionam não apenas o bem estar de indivíduos e Estados, mas também o destino da Igreja e o triunfo da república cristã”.[3] Para José Silveira da Costa: “Roger Bacon será sempre lembrado como um intrigante e engenhoso visionário e profeta dos rumos que as ciências e a tecnologia iriam tomar na modernidade”.[4] Frances e Joseph Gies destacam que “aos olhos de Roger Bacon as artes práticas  dão ao homem poder sobre o mundo natural o qual a ciência teórica jamais poderia proporcionar”. [5] Roger Bacon assume, portanto, uma precedência das artes práticas sobre as demais formas de conhecimento, da mesma forma que Robert Kilwardby (1215-1279) dignificava as artes mecânicas como uma subdivisão das ciências especulativas, por exemplo, como a carpintaria era um aspecto específico da geometria. Apesar disso Thorndike observa que a scientia experimentalis de Roger Bacon é hermética devendo seus conhecimentos e métodos permanecer em segredo constituindo patrimônio de uma elite de iniciados.[6]

[1]ALESSIO, Franco. Escolástica. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean Claude. Dicionário analítico do Ocidente medieval. v.I, São Paulo:Unesp, 2017, p. 413

[2]ALESSIO, Franco. Escolástica. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean Claude. Dicionário analítico do Ocidente medieval. v.I, São Paulo:Unesp, 2017, p. 421

[3]GREGORY, Tullio. Natureza. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean Claude. Dicionário analítico do Ocidente medieval. v.II, São Paulo:Unesp, 2017, p. 306

[4]COSTA, José Silveira da. A escolástica cristã medieval, Rio de Janeiro, 1999, p.98

[5]GIES, Frances & Joseph. Cathedral, forge and water wheel, New York:Harper Collins, 1994, p.14

[6]ROSSI, Paolo. Francis Bacon: da magia à ciência. Curitiba:Ed. UFPR, 2006, p.131





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