segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

Revoluções tecnológicas na idade média

 

Desde o século XX a historiografia medieval tem dado destaque ao papel das inovações técnicas na transformação das estruturas sociais e neste sentido destacam-se os trabalhos de Lefebvre des Noettes em 1931 nos efeitos da atrelagem racional sobre o desenvolvimento agrícola e de Roger Dion em 1939 demonstrando que a variedade de solos superficiais condicionou o porgresso da agricultura.[1] Para Lefebvre des Noettes o aumento do uso da tração animal que essa tecnologia possibilitou contribuiu de forma decisiva  para o declínio e quase extinção da escravidão no período medieval. Lynn White expandiu o argumento alegando que os sistemas políticos e sociais dominantes na idade média tem sua origem em inovações tecnológicas como os arreios dos cavalos e o surgimento da cavalaria e o sistema manorial de arrendamento de terras possibilitado principalmente pelo advento do arado de rodas atrelado aos bois para remexer a terra e consequentemente aumentar a produtividade agrícola significativamente.[2] Robert Fossier observa que esse viés mecanicista historiográfico tem sido complementado por uma abordagem que leva em conta as fraturas sociais e as condições mentais que possibilitam a incorporação das técnicas [3]. Lefebvre des Noëttes no seu livro L’attelage: le cheval à travers les âges de 1931 argumenta uma razão que explica o pouco uso dos cavalos para transporte de cargas pesadas era o o posicionamento indevido dos arreios que forçava o pescoço do animal dificultando a respiração.[4] Esta técnica de atrelagem introduzida nos séculos XII e XIII multiplicou por cinco a força de tração efetiva animal.[5] Cavalos com arreamentos adequados lavrando a terra são registrados na costa norte da Noruega no século IX, no entanto as atrelagens de bois não desapareceram por completo na Europa ainda no século XIII.[6] O arreio para o boi era menos inadequado. Usher mostra que o arreio ineficiente do passado pode ser atribuído em parte porque não havia disposição em fazer um uso extensivo da força animal. Aparentemente o novo arreio não suplantou de imediato o antigo pois o novo modelo não e dominante nas ilustrações do século X ou XI. [7] Para Lynn White o trabalho de Lefebvre des Noettes La Force animale à travers les âges de 1924 e sua segunda edição L’attelage et le cheval de selle à travers les âges de 1931 ofereceu uma solução plausível para explicar o surto econômico europeu observado em torno do ano 1000. Umberto Eco mostra que no século XII ao deslocar o arreio do peito para a espádua do animal permitiu maior liberdade de ação aos músculos, aumentando sua força de pelo menos dois terços, e assim a possibilidade de realizar trabalhos até então só possível aos bois, mais robustos porém mais lentos.[8] A primeira representação de atrelagem com uma coleira de ombro, também conhecida como “espádua” [9] trata-se de um manuscrito mantido na Biblioteca Municipal de Trier e com data de cerca de 800.[10]

[1]FOSSIER, Robert. O trabalho na idade média. Rio de Janeiro: Vozes, 2018, p. 8

[2]GIES, Frances & Joseph. Cathedral, forge and waterwheel, New York: Harper Collins, 1994, p. 14

[3]FOSSIER, Robert. O trabalho na idade média. Rio de Janeiro: Vozes, 2018, p. 78

[4]Technology and invention in the middle ages. Cf. WHITE, LYNN. Medieval religion and technology, UCLA, 1978, p.18; LE GOFF, Jacques. A civilização do Ocidente Medieval. Rio de Janeiro:Vozes, 2016, p. 199; USHER, Abbott. Uma história das invenções mecânicas, Campinas:Papirus, 1993, p. 211; WHITE, Lynn. Tecnologia e invenções na Idade Média. In: GAMA, Ruy. História da técnica e da tecnologia, São Paulo:Edusp, 1985, p. 96

[5]DERRY, T.; WILLIAMS, Trevor. Historia de la tecnologia: desde la antiguidade hasta 1750, Mexico:Siglo Vintuno, 1981, p.292; JUNIOR, Hilário Franco. A idade média nascimento do Ocidente. São Paulo:Brasiliense, 1986, p. 36

[6]GIMPEL, Jean. A revolução industrial da Idade Média, Rio de Janeiro:Zahar, 1977, p.51

[7]USHER, Abbott. Uma história das invenções mecânicas, Campinas:Papirus, 1993, p. 245

[8]ECO, Umberto. Idade média: bárbaros, cristãos e muçulmanos, v.I, Portugal:Dom Quixote, 2010, p.8-9

[9]FRUGONI, Chiara. Invenções da Idade Média, Rio de Janeiro:Zahar, 2007, p. 127

[10]LE GOFF, Jacques. A civilização do Ocidente Medieval. Rio de Janeiro:Vozes, 2016, p. 200



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Doação de Constantino

  Marc Bloch observa a ocorrência de falsificações piedosas tais como a pseudo doação de Constantino ( Constitutum Donatio Constantini ) ao ...