quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

O mito do bom selvagem

 

Gabriel Soares destaca a sagacidade dos índios do século XVI “engenhosos para tomarem quanto lhes ensinam os brancos [...] para carpinteiros de machado, serradores, oleiros, carreiros e para todos os ofícios de engenho de açúcar tem grande destino” exceto aqueles exercícios que exigiam de raciocínio e abstração.[1] Ao descrever os Tupinambás os descreve como “homens de grandes forças e de muito trabalho: são muito belicosos, em sua maneira esforçados e para muito, ainda que atraiçoados: são muito amigos de novidades e demasiadamente luxuriosos, e grandes caçadores e pescadores e amigos de lavouras”.[2] Joseph Hoffner observa que em diversos idiomas indígenas o termo correspondente a “trabalhar” é formado por uma raiz idêntica ao verbo “morrer”.[3] O francês Jean Léry em História da viagem à terra do Brasil (1578) salienta entre os indígenas seu grande vigor físico abatendo árvores enormes a golpes de machado e transportando-os aos navios franceses sobre o dorso nu.[4] Em Singularidades da França Antártica, publicada em 1557, André Thévet descreve a coragem dos índios bem como sua hospitalidade. Tanto o calvinista Jean Léry como o franciscano André Thevet baseados em suas experiências na França Antártica ajudaram a consolidar o mito do “bom selvagem”. Lemos Brito observa que Portugal importou milhares de índios para trabalho escravo em Lisboa, podendo cada donatário exportar trinta índios por ano sem ter de pagar qualquer imposto, o que revela que Portugal na época não considerava os índios indolentes.[5] O jesuítas, por sua vez, acaba o mito do Paraíso. O padre Luis da Fonseca em “Informação da Província do Brasil” encarava os índios não como “bons selvagens” mas como integrantes de uma nova Babilônia: “É uma terra desleixada e remissa e algo melancólica e por esta causa os escravos e índios trabalham pouco e os portugueses quase nada e tudo se leva em festas, convícios, cantares, etc e uns e outros são muito dados a vinhos e facilmente se tomam dele”.[6]



[1]FREYRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala, São Paulo:Global Ed., 2006, p. 214, 229; SOUZA, Gabriel Soares. Tratado descritivo do Brasil, Rio de Janeiro : Typographia Universal de Laemmert, 1851, p.321; BRITO, José Gabriel Lemos. Pontos de partida para a história econômica do Brasil. Brasiliana v. 155, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1980, p.133

[2]SOUZA, Gabriel Soares. Tratado descritivo do Brasil, Rio de Janeiro : Typographia Universal de Laemmert, 1851, p.307 http://www.brasiliana.usp.br/handle/1918/01720400#page/1/mode/1up

[3]HOFFNER, Joseph. Colonialismo e evangelho, São Paulo:USP, 1973, p.173

[4]FREYRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala, São Paulo:Global Ed., 2006, p. 229

[5]BRITO, José Gabriel Lemos. Pontos de partida para a história econômica do Brasil. Brasiliana v. 155, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1980, p.138

[6] MARTINS, Wilson. História da inteligência brasileira, v.I (1550-1794), São Paulo:USP, 1976, p. 40



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